Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

Ciência 'inútil' revoluciona nosso dia a dia

Pesquisa básica gera revoluções mais profundas, do computador à energia nuclear, do GPS aos diagnósticos por imagem

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Conta-se que o físico britânico Michael Faraday (1791-1867) recebeu um dia em seu laboratório o ministro da Fazenda, que o questionou para quê serviria a eletricidade, na prática. Dizem que o cientista respondeu: “Um dia, Vossa Excelência poderá cobrar impostos sobre ela."

Um amigo me apresentou o livro "The Usefulness of Useless Knowledge" (a utilidade do conhecimento inútil, em tradução livre), de Abraham Flexner.

O autor faz uma defesa eloquente da ciência básica, da busca do conhecimento por si mesmo, sem objetivos práticos imediatos. Ele mostra que, muitas vezes, o impacto dela em nossas vidas é muito maior do que a pesquisa de curto prazo pode almejar ou vislumbrar.

Abraham Flexner, autor de "The Usefulness of Useless Knowledge" (a utilidade do conhecimento inútil, em tradução livre)
Abraham Flexner, autor de "The Usefulness of Useless Knowledge" (a utilidade do conhecimento inútil, em tradução livre) - Reprodução

Flexner (1866-1959) foi uma personalidade muito influente na educação e ciência dos Estados Unidos na primeira metade do século 20. Sua avaliação crítica do ensino da medicina deu origem a uma reforma profunda no treinamento de médicos na América do Norte, da qual emergiram as melhores escolas nessa área.

Ele também fundou o renomado Instituto de Estudos Avançados (IAS, na sigla em inglês) de Princeton. O IAS teve origem no desejo dos irmãos Caroline e Louis Bamberger de investir a fortuna numa iniciativa em prol da sociedade.

Os Bamberger tinham razões para estarem gratos: venderam sua loja de departamentos pouco antes do colapso da bolsa de valores em 1929, que originou inúmeras falências e deu origem à Grande Depressão.

Inicialmente, os irmãos pensavam abrir uma escola de medicina dentária, mas Flexner os convenceu a investir seu dinheiro em pesquisa básica, com destaque para a matemática e a física teórica (atualmente, o IAS está dedicado à matemática, ciências naturais, história e ciências sociais).

Foi sugerido que o instituto fosse localizado em Princeton, onde poderia usufruir do contato com uma das universidades mais conceituadas do país, e sua excelente biblioteca.

Na contratação dos primeiros pesquisadores, Flexner tirou proveito da situação vivida na Europa com o advento do nazismo, oferecendo porto seguro a cientistas de primeira linha, especialmente judeus.

Integraram esse grupo matemáticos e físicos do calibre de Albert Einstein, Kurt Gödel e John von Neuman, entre outros, que estabeleceram a reputação do IAS de uma vez por todas. Até hoje, já passaram pelo Instituto como pesquisadores 33 ganhadores do Prêmio Nobel e 42 vencedores da Medalha Fields (75% do total!).

Flexner concebeu o IAS como um paraíso da ciência pura, onde os melhores cientistas poderiam se dedicar “à busca sem obstáculos do conhecimento inútil”, num ambiente confortável e aprazível e sem precisar lidar com nenhuma das preocupações quotidianas.

Em seu livro, ele observa como essa pesquisa “inútil” vem gerando algumas das revoluções mais profundas do nosso dia a dia, do computador à energia nuclear, do GPS aos diagnósticos por imagem. Voltarei ao tema em breve.

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