Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Você sabe a razão do nome túnel Rebouças?

Também somos algozes, ao menos por omissão

O preconceito deixa vítimas. O constrangimento fica ainda maior quando descobrimos que também somos algozes, ao menos por omissão.

Emmy Noether fez contribuições impressionantes para a matemática no começo do século 20, com repercussões para duas revoluções na física, a teoria da relatividade geral e a mecânica quântica.

Sua contratação como professora, porém, encontrou resistências. Afirmavam que não seria aceitável uma mulher se tornar professora e membro da congregação. Ao menos, havia David Hilbert, que, com sua imensa influência, declarou: “Somos uma universidade, não uma casa de banhos.”

Muitos trabalhos de Noether foram apresentados por matemáticos homens, beneficiados pelas notáveis contribuições da moça generosa, mesmo que discriminada.

Alan Turing revolucionou a pesquisa em teoria dos jogos e em inteligência artificial. Como se não bastasse, ainda foi decisivo para decifrar as comunicações criptografadas dos nazistas durante a Segunda Guerra.

Alan Turing aos 16 anos, em 1928
Alan Turing aos 16 anos, em 1928 - Sherborne School/AFP

Anos depois, Turing foi vítima de uma violência que envergonha um país. Ele era homossexual e foi quimicamente castrado na Inglaterra onde sexo podia ser crime.

Morreu envenenado, talvez suicídio, aos 41 anos. Turing foi generoso com seu país. A Inglaterra retribuiu-lhe com brutalidade.

As histórias de Alice Canabrava não devem ser esquecidas. As muitas que contou e a da sua própria vida.

Canabrava estudou na USP do fim dos anos 1930 e foi aluna de professores como Fernand Braudel. Escreveu livros fundamentais, como a história do desenvolvimento do rio da Prata. A pesquisadora mergulhava nos arquivos e deixava a história se contar.

A historiadora deixou muitos livros e o registro da sua própria discriminação. Em 1946, ela se candidatou a professora de história da América na USP. Apesar de ter obtido a maior nota, foi preterida pelo candidato mais velho e homem.

Canabrava não teve dúvidas. Atravessou o pátio e se tornou professora da Faculdade de Economia. Nas décadas seguintes, formou gerações de pesquisadores cuidadosos com os dados e os arquivos.
A magistral tese de doutorado de Delfim Netto deve muito a Canabrava. E ela não hesitou em pedir ajuda ao jovem Affonso Celso Pastore para analisar os dados sobre as propriedades em São Paulo.

Katherine Johnson foi uma das matemáticas negras, durante muito tempo segregadas, que faziam os cálculos do programa espacial americano há mais de 60 anos; os “Computadores de Saias”, como eram conhecidas.

Os cariocas sabem das razões da homenagem aos irmãos Rebouças em seu túnel mais famoso? Quantos outros serão vítimas apenas por serem diferentes, reféns da nossa omissão?

Katherine Johnson
Katherine Johnson - Nasa/Divulgação
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