Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu Eleições 2018

Imprensa precisa ser livre até para errar

Ousadia quase irresponsável da imprensa e autocontenção do poder eleito são essenciais para a democracia

Em 1960, The New York Times publicou um anúncio denunciando os processos contra Martin Luther King em Alabama. O anúncio continha erros, como o número de vezes em que Dr. King fora preso até então pelos seus protestos contra a segregação racial.

L. B. Sullivan, chefe da polícia, entrou com uma ação judicial por difamação e ganhou nas cortes locais. O jornal foi multado em U$ 500 mil.

O caso foi parar na Suprema Corte Americana. Por 9 a 0, a corte deu ganho de causa a The New York Times e revolucionou o direito à liberdade de expressão nos Estados Unidos.

Servidores públicos só podem processar a imprensa se provarem que houve erro intencional ou que não se tentou averiguar a veracidade da reportagem. Caso contrário, mesmo notícias erradas não são passíveis de punição.

O direito à liberdade de expressão protege a sociedade contra possíveis abusos do poder público, que tem a seu dispor os instrumentos de pressão do Estado. Pelo bem da democracia, melhor que pessoas bem-intencionadas possam errar publicamente, desde que de boa-fé. E o ônus da prova cabe a quem acusa.

Anos depois, em 1971, um jovem que trabalhava para o governo americano resolveu divulgar na imprensa documentos sigilosos que revelavam os imensos equívocos dos Estados Unidos na guerra do Vietnã.
O governo entrou com um pedido judicial para censurar o jornal alegando que poderia haver informações que beneficiassem o inimigo.

A Suprema Corte decidiu que a censura era o pior inimigo. Cabia ao governo demonstrar os riscos iminentes da divulgação dos documentos. Não conseguiu. 

Mais uma vez, o jornal em litígio era The New York Times.

O papel da imprensa é duvidar e buscar contradições. Sua função, em uma democracia, é a crítica que beira a irresponsabilidade.

Artigos muitas vezes são escritos com base em fontes protegidas pelo sigilo, afinal podem temer retaliações, e espera-se que os editores tenham o bom senso de saber se são confiáveis, afinal reputações podem estar em jogo.

Pois bem, quem define o limite da responsabilidade é o próprio jornal, que apenas pode ser punido caso seja demonstrada malícia intencional.

Somente a sociedade deve determinar se um jornal erra em demasia. A saída é fácil. Basta trocar de jornal.

Qualquer alternativa é pior. Vale lembrar que do outro lado está o Estado e todo o seu poder.

Preocupa quando um novo presidente afirma que vai discriminar um jornal pelas suas reportagens críticas. Cabe à sociedade livre, não ao poder constituído, decidir se um jornal merece ser lido.

Deve-se permitir a ousadia quase irresponsável da imprensa. Por outro lado, espera-se autocontenção do poder eleito. Ambas são essenciais para a democracia.

Loja de açaí na pequena vila histórica de Mambucaba, onde trabalha, em horário de expediente, uma funcionária de gabinete do presidenciável Jair Bolsonaro
Fachada da loja de açaí de Walderice Santos da Conceição, 49, no RJ; reportagem da Folha foi alvo de críticas de Jair Bolsonaro - Ranier Bragon/Folhapress
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