Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu desmatamento

Boas intenções não bastam

Intervenções legais mal desenhadas prejudicam o combate ao desmatamento

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A intervenção pública por vezes impõe metas e sanções sem analisar as características específicas dos mercados ou avaliar a capacidade do governo em monitorar e controlar o que ocorre.

Esta coluna trata de dois exemplos de ações do poder público com efeito contrário ao pretendido. Em vez de sucesso, as medidas resultaram em retrocessos ambientais e sociais.

A partir dos anos 1990, o governo brasileiro passou a restringir a extração e a comercialização de mogno de folha larga, que culminaram com sua proibição em 2001.

As decisões, contudo, não tiveram o impacto esperado. Chimelli e Boyd, no artigo "Prohibition and the supply of brazilian mahogany", publicado em 2010 no Land Economics, apresentam estatísticas indicando que a extração de mogno continuou a ser realizada. Ela, contudo, passou a ser exportada na denominação alternativa de "outros tipos de madeira tropical".

Área de manejo de exploração de madeira nativa próximo à comunidade de Cachoeira do Aruã, distrito de Santarém, no Pará
Área de manejo de exploração de madeira nativa próximo à comunidade de Cachoeira do Aruã, distrito de Santarém, no Pará - Pedro Ladeira - 19.set.22/Folhapress

Os dados apontam que o total exportado aumentou após a proibição. Esse resultado pode parecer contraintuitivo, mas é usual quando se impõe proibição em vez de outros mecanismos de desestimulo, como maior tributação ou restrição às quantidades produzidas. O desenho de políticas eficazes depende das características específicas de cada caso.

Sem o mercado legal, que, em certos casos, colabora para o controle das regras, e com pouca capacidade do governo de monitorar a atividade privada, o comércio ilegal se torna mais competitivo, ampliando a produção. O tema é analisado no artigo "A reason for quantitative regulation", de Glaeser e Sheifler, publicado no American Economic Review, 2001.

O comércio ilegal teve um significativo, e negativo, efeito colateral: o aumento da violência e dos homicídios nas cidades onde essa produção era mais relevante.

As disputas comerciais em mercados legais são arbitradas pelo sistema de Justiça. Nos mercados ilegais, contudo, esse desenlace tende a ser resolvido por meio da violência.

Esse resultado foi documentado por Chimelli e Soares no artigo "The use of violence in ilegal markets: evidence from mahogany trade in brazilian Amazon", publicado em 2017 no American Economic Journal: Applied Economics.

Os autores utilizam bases de dados que permitem identificar os municípios onde a produção de mogno era mais relevante antes das restrições. Eles também incorporam na análise outros indicadores, como homicídios por 100 mil habitantes, mortalidade por tipo de causa, total da área plantada, número de mortes por conflitos de terra e renda por habitante.

O trabalho analisa os dados por municípios similares, com foco no estado do Pará, exceto que alguns são grandes produtores de mogno, e outros não. Eles analisam os microdados de ocorrência de homicídios antes e depois da proibição, controlando pelas características locais.

O resultado é perturbador. Eles estimam que ocorreram 5.172 mortes entre 1999 e 2013 devido ao comércio irregular, um aumento de cinco mortes por 100 mil habitantes para o típico município analisado. Os homicídios de homens entre 15 e 39 anos aumentaram três vezes nas regiões produtoras de mogno, a maior parte fora de casa, em geral por arma de fogo.

A imposição de regras por parte de agentes públicos com baixa capacidade de monitoramento é também o tema do trabalho de Varella e Oliveira, "Assessing the performance of voluntary enviromental agréments under high monitoring costs: evidence from the brazilian Amazon", publicado no Ecological Economics neste ano.

Na década de 2000, o MPF (Ministério Público Federal) tentou limitar a ocorrência de crimes ambientais na Amazônia por meio de TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) com os principais matadouros. Eles deveriam garantir as boas práticas dos seus fornecedores.

Existem, contudo, dificuldades para viabilizar esse monitoramento, como a chamada "lavagem de gado". O desmatamento muitas vezes ocorre em propriedades que não vendem gado diretamente aos matadouros, mas a outros pecuaristas ou intermediários.

Varella e Oliveira analisam o desmatamento na Amazônia entre 2006 e 2017, utilizando técnicas estatísticas semelhantes às adotadas por Chimelli e Soares. Eles mostram que o problema se agravou nas regiões cobertas por acordos (TACs) com o MPF.

A robustez do resultado é acentuada pelo fato de esses acordos não terem sido simultâneos. A devastação nas regiões tendeu a aumentar com a assinatura de TAC entre o MPF e o matadouro.

Os autores indicam uma possível causa do efeito colateral indesejado. Os custos do monitoramento da atenção à conformidade dos produtores locais com a legislação afetam tanto o setor público quanto o privado.

Os acordos com o MPF funcionaram como um selo de qualidade que induziu a expansão do crédito. Essa expansão, contudo, acabou fomentando o desmatamento ilegal.

Em certos casos, acordos voluntários são eficazes para reduzir comportamentos ilegais. Mas isso depende das condições de contorno, como, por exemplo, a existência de grandes empresas com vendas concentradas no mercado internacional, que temem a retaliação da concorrência (como ocorreu no acordo para evitar produção de soja na Amazônia).

No artigo "DETER-ing deforestation in the Amazon: enviroment monitoring and law enforcement", publicado neste ano no American Economic Journal: Applied Economics, Assunção, Gandour e Rocha identificam, com técnicas inovadoras, como as ações decorrentes de monitoramento podem ser eficazes para conter o desmatamento na Amazônia.

As ações focadas nas principais regiões com maior concentração de atividades ilegais têm sido bem-sucedidas. Em 2008, o Ministério Público listou 36 municípios da Amazônia que eram responsáveis por 45% do desmatamento no ano anterior. O controle público sobre esses municípios foi intensificado, em meio a sanções econômicas.

Isso foi possível graças ao uso de imagens detalhadas fornecidas por satélites. O resultado foi a redução do desmatamento, como documentam Assunção e Rocha no artigo "Getting greener by going black: the priority municipalities in Brazil", de 2019.

Chimelli e Soares, no seu artigo de 2017, documentam que o mesmo ocorreu com o aperfeiçoamento do monitoramento e ação do Estado para combater a extração e o comércio ilegal do mogno, a partir do final da década de 2000.

O sucesso das políticas públicas depende de instrumentos adequados de monitoramento e do desenho dos mecanismos de intervenção que consigam priorizar os problemas.

Existem técnicas para aperfeiçoar as medidas de controle do desmatamento, incluindo a análise das características da concorrência nos mercados, o processamento das informações utilizando ciência de dados, como os mapas obtidos por satélites, e o desenho cirúrgico de sanções econômicas eficazes. As condições de contorno importam.

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