Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Como o PT reage a situações de estresse fiscal?

No passado, o partido preferiu empurrar com a barriga

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Caiu a ficha de que o arcabouço fiscal não equilibra as contas e está sob risco de ser burlado ou abandonado. O Congresso dificilmente aprovará novos aumentos de receita. Com despesas disparando, ficou evidente a necessidade de reformas para controlar o gasto. A equipe econômica se prontificou a levar um menu de propostas ao presidente.

Alguns analistas se animaram, acreditando que o estresse, no mercado e na política, induziria as reformas necessárias. Porém, o histórico do PT não inspira otimismo. Episódios similares no passado mostram que o partido preferiu empurrar com a barriga e não fazer ajustes.

Lembremos alguns casos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Gabriela Biló - 26.jun.2024/Folhapress

Em 28/1/13, o secretário da Receita anunciou que o governo ampliaria as desonerações fiscais em R$ 15 bilhões. Dois meses depois, por meio de um "jabuti" enxertado em projeto de lei que tratava de outro assunto, o Congresso autorizou que até R$ 20 bilhões em desonerações tributárias fossem desconsiderados do cálculo do resultado primário.

Em 15/4/13, prevendo inviabilidade de cumprir a meta fiscal já flexibilizada, o governo mandou ao Congresso projeto que acabava com a obrigação de o governo federal compensar o eventual descumprimento de meta fiscal pelos estados e municípios. Na prática, diminuía a meta para o setor público consolidado. Nesse dia, os juros das NTN-B deram um pulo de 0,34 pontos percentuais.

Frente à deterioração fiscal, em 7/6/13, a Standard & Poor’s sinalizou que revisaria a perspectiva da nota de crédito do país para negativa (outro salto nos juros, de 0,27 p.p.).

Abriu-se no governo um debate similar ao atual, sobre a necessidade de ajuste estrutural nas contas. Lia-se na imprensa que "Governo discute ofensiva pela credibilidade" (O Estado S. Paulo, 11/6/13). Falava-se em "aperto mais forte nos gastos de custeio" e em "uma política fiscal mais rígida e menos instável".

Porém, nada avançou.

Em 29/8/13 foi enviada a proposta orçamentária de 2014, com redução da meta de superávit (juros pularam 0,26 p.p.).

Ao final do ano, o governo recorreu à contabilidade criativa para fechar as contas. Desconsiderando manobras, o resultado do governo central de 2013 ficou 60% abaixo da meta prometida no início do ano.

Em outro episódio, iniciado em janeiro de 2015, Joaquim Levy assumiu o Ministério da Fazenda com a missão de fazer ajuste fiscal. Mas, já em 23/3/15, lia-se nos jornais que "Dilma promete a Lula e ao PT que vai rever pontos do ajuste fiscal" (O Estado de S. Paulo). Juros subiram 0,3 p.p. no dia.

Em 22/5/15, o governo deu outro sinal de resistência à agenda de Levy: anunciou um contingenciamento de R$ 69,9 bilhões, descartando a proposta de R$ 80 bilhões do chefe da Fazenda.

Em 23/7/15, o governo reduziu a meta de resultado primário do ano, de 1,1% do PIB para 0,15%, mais uma vez contrariando Levy. Juros subiram 0,3 p.p.

Em 15/12/15, apesar de já ter perdido o grau de investimento em 9/9/15, o governo reduziu a meta de resultado primário de 2016. Juros subiram 0,14 p.p.

Três dias depois, Levy pediu demissão. E a imprensa noticiou que "Barbosa assume Fazenda e promete manter ajuste". Manter ajuste? Que ajuste?

A meta de resultado primário foi alterada ou contornada em oito dos treze anos de governo do PT.

O final é conhecido: a maior crise econômica da história do país.

Voltando ao presente, vemos Lula repetir o roteiro negacionista, afirmando que "é necessário saber se precisa efetivamente cortar gastos" (Folha, 27/6/24).

Os ministros da articulação política reproduzem o balé de dizer que estão tomando providências. Prometem uma revisão de cadastros dos benefícios previdenciários que economizaria até R$ 30 bilhões. Ninguém viu os cálculos.

O próprio arcabouço fiscal foi, no estilo clássico do PT, uma tentativa de ir empurrando enquanto desse. Depois de aumentar o gasto em quase R$ 200 bilhões, com a aprovação da PEC da Transição, o governo fez uma promessa de bom comportamento para o futuro, no melhor estilo de Santo Agostinho: "Senhor, dai-me continência e castidade, mas hoje não!".

Os limites e metas do arcabouço compraram credibilidade por alguns meses, com data de vencimento, e que agora se esgota, por impossibilidade de cumprir o prometido. Os juros e o dólar batem recordes de alta.

Resta torcer para que Lula e o PT tenham aprendido com o passado e que, por trás da retórica do presidente, se esteja planejando um efetivo ajuste fiscal.

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