Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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As vinculações de despesas são causa central do desequilíbrio fiscal crônico

Esforço da equipe econômica para reformá-las foi bloqueado

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Uma das medidas essenciais para tirar o governo da rota do endividamento insustentável é a revisão das vinculações de despesas ao salário mínimo (SM) ou ao crescimento da receita.

Os ministros Haddad e Tebet ensaiaram, na semana passada, propor medidas nessa direção. Foram desautorizados e recuaram. Isso confirma a tese, que apresentei em coluna anterior, de que a equipe econômica não dispõe de condições políticas para tomar medidas essenciais ao equilíbrio fiscal.

Nesta coluna mostro como as vinculações das despesas são fator essencial de desequilíbrio fiscal.

O exercício consiste em saber quão mais baixa estaria a despesa do governo federal em 2024 na comparação com os valores que constam do Orçamento deste ano se algumas despesas crescessem apenas pela inflação, em vez de estarem indexadas ao SM ou à receita.

Simone Tebet, Fernando Haddad e Lula em evento no Palácio do Planalto - Adriano Machado/Reuters

A lei 14.663/23 determinou que, a partir de 2024, o SM crescerá no mesmo ritmo da inflação mais o crescimento real do PIB. Isso afeta diretamente a despesa da Previdência, que tem 60% dos benefícios pagos equivalentes a 1 SM. Também afeta o gasto com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), cujo valor é de 1 SM.

O crescimento real do SM começou antes da nova lei, em maio de 2023. Com pouco mais de um ano e meio de vigência, essa nova política fará a despesa da Previdência em 2024 ficar R$ 16,4 bilhões mais alta do que ficaria se os benefícios fossem corrigidos anualmente pela inflação. Já o BPC ficará R$ 4,5 bilhões mais caro.

A lei complementar 200/23 —Novo Arcabouço Fiscal— determinou a reindexação da despesa mínima em saúde à Receita Corrente Líquida (RCL). Substituiu a regra anterior, instituída pela emenda constitucional 95/16 (Teto de Gastos), de correção pela inflação. Com essa mudança, a despesa orçada em 2024 será R$ 59,6 bilhões maior do que seria se fosse mantida a regra anterior e corrigíssemos o gasto mínimo de 2022 (último ano antes da mudança da regra) pela inflação.

A despesa mínima em educação também voltou a ser corrigida pela variação da "receita de impostos", não mais pela inflação. Mas como o gasto em educação supera o mínimo legal, não é possível afirmar que haja impacto direto do aumento do gasto mínimo no gasto total.

A lei complementar 200/23 também revogou a indexação à inflação das emendas parlamentares obrigatórias ao Orçamento, que havia sido instituída pela emenda do Teto de Gastos e retomou a indexação à RCL.

As emendas de bancada voltaram a corresponder a 1% da RCL, conforme estabelecido na emenda constitucional 100/19 e as emendas individuais tiveram aumento de 1,2% para 2% da RCL (emenda constitucional 126/22).

O valor orçado para essas emendas em 2024 é R$ 14,5 bilhões maior do que teríamos se não houvesse mudança de regra, caso em que as emendas corresponderiam ao valor de 2022 (último ano da regra anterior) corrigido pela inflação.

A emenda constitucional 108/20 aumentou a participação do Governo Federal no Fundo da Educação Básica (Fundeb). Antes, a União tinha que colocar 10% do valor total aportado por estados e municípios. Agora esse percentual subirá gradualmente até 23%. Neste ano está em 19%. Se ainda vigorasse o percentual anterior, a despesa federal com o Fundeb em 2024 seria R$ 22,3 bilhões menor que o valor orçado neste ano.

A lei 10.633/02 estabeleceu que o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) receberia em 2003 R$ 2,9 bilhões e, nos anos seguintes, esse valor seria corrigido pela variação da receita corrente líquida da União. Se em vez de corrigido pela RCL o valor do FCDF tivesse sido corrigido pela inflação, a despesa em 2024 seria R$ 14,4 bilhões menor que o orçado para o ano.

Somando todos os valores acima, a despesa em 2024 poderia estar R$ 131,6 bilhões mais baixa. Isso faria com que o déficit primário previsto de R$ 9,3 bilhões se transformasse em um superávit de R$ 122,3 bilhões (1,1% do PIB).

Com o passar do tempo, o custo fiscal das vinculações crescerá exponencialmente, em especial nos casos da Previdência e assistência, com o acúmulo de ganhos reais sucessivos do salário mínimo, e do Fundeb, devido aos próximos aumentos da contribuição federal, fixados na Constituição.

Sempre haverá argumentos a favor das vinculações de despesas, principalmente aquelas de grande apelo popular. Isso não afasta a realidade aritmética: as vinculações são causa central do desequilíbrio fiscal crônico.

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