Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Identidades sociais e polarização nos EUA e no Brasil

O alinhamento entre voto e identidade produz mundos que não se comunicam

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É quase consenso entre analistas nos EUA que a polarização política no país é alimentada pela sobreposição entre identidades sociais e partidos políticos, em processo que se estendeu por pelo menos algumas décadas. Entre nós, há evidências que processo semelhante tenha começado a ocorrer.

Nos EUA, segmentos sociais específicos que partilham da mesma identidade racial, religiosa ou sexual, por exemplo, escolhem o mesmo partido político. Trata-se de fenômeno novo e complexo. O inverso também tem ocorrido: a escolha da denominação religiosa é também moldada pela orientação política, ou seja, ela é "endógena", para usar o jargão. O que é contraintuitivo, porque assume-se que trata-se de escolha radical, irredutível às demais.

Nos EUA, havia uma clivagem regional relevante que produzia relações cruzadas entre identidades e política. A população branca no sul, para utilizar um exemplo clássico, era fundamentalmente democrata. A população negra no resto do país também votava proporcionalmente muito mais no partido republicano. O quadro atual é de inédito alinhamento que produz dois mundos que não se comunicam.

Há um certo consenso também que na América Latina, com algumas exceções, a sobreposição de identidades e preferências partidárias não ocorre. Raça e religião, por exemplo, tipicamente não determinam historicamente o padrão de voto, que é marcado por outras clivagens, de natureza socioeconômica ou territorial (c ampo-cidade). Mas há evidências de que nas eleições presidenciais de 2018 o nosso padrão pode ter mudado.

Baseados em um painel original com cinco ondas de "surveys" em 2018/2019, Layton et al. encontraram claras clivagens no padrão de voto por gênero, raça e religião. Controlando por renda e nível educacional, dentre outros fatores, a probabilidade estimada de uma mulher votar em Bolsonaro é 6 % menor do que a de um homem; a de uma pessoa negra de 30% menor em relação a de uma branca; enquanto que para evangélicos ela se eleva em 36% em relação ao grupo de referência. O que importa sublinhar é que o fenômeno parece ser inédito.

O baixo enraizamento social dos partidos e a hiperfragmentação faz com que não seja possível identificar bases partidárias claras, mas a clivagem pode ser observada grosso modo entre posições no espectro ideológico.

Essas tendências estruturais no eleitorado não explicam resultados eleitorais porque a política não se reduz ao lado da demanda. Eleições são escolhas, ao fim e ao cabo, de natureza binária, entre alternativas que são moldadas pelo sistema partidário e regras eleitorais. Mas estas tendências importam, e suas consequências poderão ser críticas no futuro.

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