Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Calcificação ou polarização: a análise não pode ignorar as instituições políticas

As democracias deram um passo importante quando a ideia de alternância no poder foi entronizada

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Que o Congresso não está polarizado já sabemos: a vasta maioria dos partidos que apoiavam Bolsonaro agora também apoiam Lula. Que o eleitorado está polarizado, mas não calcificado é incontroverso.

Mas, como argumentei em coluna recente, a polarização assume um caráter muito distinto quando o sistema é multipartidário, fragmentado e com baixíssima identificação partidária. A disjunção voto presidencial e voto legislativo (o fenômeno do voto Lira/Lula; ou centrão/Lula) ou a avaliação positiva do governo Lula por parte não trivial de eleitores de Bolsonaro não sugerem calcificação. A opinião pública não define o sistema político. As instituições importam: federalismo, regras eleitorais (lista aberta), sistema partidário, presidencialismo.

O presidente Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, durante cerimônia de posse do ministro Flávio Dino no STF - Pedro Ladeira/Folhapress

Felipe Nunes ­­­e Thomas Traumann mostram que a polarização é afetiva e não programática. Ela se expressa no sentimento negativo em relação ao adversário mais que por desacordo programático. Como mostram os autores, este último se restringe a poucas questões comportamentais (ex. aborto; sexualidade nas escolas), ou porte de arma. A posição do eleitor(a) a respeito destes temas é o principal preditor do voto presidencial; não há discordância sobre privatização ou sobre o papel do Estado na redução da desigualdade. O mesmo padrão pode ser observado nos EUA. Mas as semelhanças param aqui.

Os autores apresentam tabelas distinguindo opiniões anti-PT e pró-PT. Assim, os que estão na oposição ao PT são definidos como antipetistas —terminologia bastante problemática por razões conceituais e empíricas.

Sabemos que na história do sistema representativo, a oposição inicialmente era vista com desconfiança. Era uma ameaça existencial em potência; no limite, "regicida". As democracias deram um passo importante quando a ideia de alternância no poder foi entronizada. Não é por outra razão que a oposição passou a se chamar "loyal opposition": a oposição leal ao sistema. É bizarro denominar a oposição com referência a quem está no poder; deslegitima-se a oposição. Os democratas americanos não poderiam ser definidos como antitrumpistas. É como o adversário a define, e não uma categoria analítica.

Mais problemático é a oposição ser definida pela forma como reage às políticas do governo incumbente durante mais de três mandatos. Assim, uma suposta característica do antipetismo seria a rejeição de, por exemplo, programas de transferência de renda.

No entanto, a lógica se inverte quando sob Bolsonaro tais programas se expandiram e os simpatizantes do governo passaram a apoiar o programa. O que sugere que é a lógica incumbente —oposição e a competição eleitoral que definem em larga medida os sentimentos do eleitorado.

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