Maria Hermínia Tavares

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

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Maria Hermínia Tavares

Apagada e vil tristeza, que remete ao período Sarney

Impossível nos dias que correm não lembrar do fim daquele governo

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Os mais velhos hão de se lembrar dos dois últimos anos da presidência José Sarney. O governo acabou, mas não o exótico mandato de cinco anos, arrancado aos constituintes pelas patranhas da pequena política. A esperança de dar cabo da inflação se foi quando o ministro Bresser-Pereira deixou a Fazenda, no começo de 1988, depois de ver seu plano naufragar e pouco antes do advento da Constituição Cidadã.

A partir de então, o presidente ficou quase só, agarrado ao “centrão” —sim, a coisa já estava lá —, sem política e sem propósito até que a primeira eleição direta em 28 anos definisse o seu sucessor.

Foram dois longos anos de desencanto e desassossego, durante os quais a inflação fora de controle ia roendo o otimismo nascido da luta contra o autoritarismo. O país pagou caro pelo definhamento precoce do seu primeiro governo civil. A economia rateou, o desemprego cresceu, os pobres ficaram mais pobres, a sociedade, mais desigual. O Brasil que se democratizava viu o tempo passar pela janela, e levaria alguns anos para se aprumar.

O presidente Jair Bolsonaro tenta ajustar máscara ao deixar o Palácio da Alvorada, em maio
O presidente Jair Bolsonaro tenta ajustar máscara ao deixar o Palácio da Alvorada, em maio - Adriano Machado/Reuters

Impossível nos dias que correm não lembrar daquele período cinzento —apesar das muitas diferenças. Sarney bem que tentou enfrentar o entulho amontoado pelo último governo militar, mas as soluções ruinosas com as quais tratou de achatá-lo tiveram um perverso efeito contrário.

No caso presente, não se pode dizer que temos um presidente empenhado em governar, mesmo para cumprir uma agenda populista de direita. Seus intentos de destruir as instituições democráticas, as liberdades públicas e os instrumentos que asseguram direitos, defendem o patrimônio ambiental e dão proteção social aos mais vulneráveis só não se consumaram graças às reações do Congresso, do Judiciário, das forças da sociedade organizada e agora também pela pressão internacional.

A omissão e as vexaminosas manifestações diante da pandemia apenas confirmam o clamoroso despreparo de Bolsonaro na função para a qual o elegeram 57 milhões de brasileiros. Quando os contaminados pelo coronavírus passam de 1,5 milhão e os mortos se aproximam rapidamente de 100 mil, o governo do capitão parece respirar por aparelhos.

Incapaz de enfrentar o sofrimento que se espraia e esboçar um projeto de reconstrução, por limitado que seja, arrima o seu mandato no terço de brasileiros que o apoiam e, como Sarney, no escambo com o “centrão”. Esse suporte poderá ser suficiente para levar seu mandato até o fim e, especialmente, para se proteger —e ao seu clã— das investigações capazes de revelar relações perigosas com a escória do Rio.

Haja tristeza.

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