Maria Hermínia Tavares

Professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, é pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

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Maria Hermínia Tavares

Nacionalismo embolorado

Os nacionalistas raiz abominam o pluralismo político das sociedades contemporâneas

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Em recente entrevista, o ex-ministro da Defesa e ex-presidente da Câmara dos Deputados Aldo Rebelo (sem partido) pregou, em tom de candidato ao Planalto, a necessidade de unificar o país em torno da retomada do desenvolvimento, do combate à desigualdade e da valorização de democracia.

Até aí tudo bem —e nada de novo. Só que o antigo quadro do PCdoB contrapôs a essa plataforma progressista o que se chama hoje em dia agenda identitária, para maldizer aquelas que seriam as principais inimigas do país: as ONGs ambientalistas. A seu, digamos, juízo, elas manipulam os povos indígenas em benefício de interesses internacionais que cobiçam as riquezas da Amazônia.
Vindo da esquerda pura e dura que admirava a tirania comunista da Albânia, Rebelo é um desbragado nacionalista.

Nacionalistas imaginam que a nação é a comunidade unida por objetivos e valores comuns —sabe-se lá definidos por quem—, a começar da defesa da soberania contra a perene cobiça estrangeira. O rebento mais robusto dessa mentalidade é a redução da política a um perpétuo conflito entre defensores da nação e seus inimigos antinacionais. Os nacionalistas raiz abominam a diversidade característica das sociedades contemporâneas, em especial suas manifestações políticas sob a forma de antirracismo, ambientalismo, feminismo e reconhecimento do modo de vida das populações indígenas e das diferentes maneiras de expressão da sexualidade.

Não há uma nesga de fundamento na ideia de que as entidades que conferem existência política às demandas de minorias —em geral ONGs— solapem a democracia e impeçam o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades; estas, por sinal, não raro ancoradas na discriminação de tais setores. Mundo afora, as sociedades democráticas comprovam o contrário. Movimentos identitários expandem as fronteiras da luta por mais igualdade, assim como organizações não governamentais convivem com partidos e cooperam com governos.

O nacionalismo estreito do ex-ministro —que nestes tempos bolsonarianos integra as forças democráticas— não é uma idiossincrasia. Ele tem curso livre entre políticos de diferentes partidos, para não falar nas três Armas. No mínimo, justifica hoje retrocessos na área ambiental e na garantia dos direitos constitucionais das populações indígenas. Tem em comum com o autoritarismo bolsonarista a fobia aos movimentos identitários, vistos como ameaça à família e à unidade do país ou como agentes internos do apetite estrangeiro por nossas riquezas.

Um nacionalismo embolorado é tudo de que o país e a democracia brasileira não precisam.

Manifestantes usam símbolos nacionais em ato de apoio a Bolsonaro em Recife - Genival Fernandes/Agência Pixel Press

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