Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Chore como uma garota

É um jeito de botar para fora estresse, prazer, tristeza, sofrimento, dores físicas e, claro, raiva

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Ao ver Theresa May, agora ex-primeira ministra do Reino Unido, terminar o pronunciamento de sua renuncia com a voz embargada e deixar o lugar antes que caísse no choro, pensei na hora: xi, lá vem alguém dizer que ela jogou anos da luta feminista na lata de lixo, porque não agiu feito “homem”. Ou seja, porque foi muito humana em mostrar que estava triste, frustrada, talvez muito puta da vida.

Lembrei de mim mesma há alguns anos quando, sem conseguir me controlar, fiquei com os olhos marejados ao receber de um chefe uma crítica que achava injusta. Não estava triste, mas com raiva. E nessas horas as emoções se manifestam. Chorar é um jeito de botar para fora estresse, prazer, tristeza, sofrimento, dores físicas e, claro, raiva.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, chora durante o discurso em que anunciou sua renúncia
A primeira-ministra britânica, Theresa May, chora durante o discurso em que anunciou sua renúncia - Toby Melville/Reuters

Além da braveza que senti pela avaliação equivocada, fiquei irritada comigo mesma por ter sido fraca, por ter deixado que alguém me visse tão vulnerável. Me penitenciei por ter agido como uma “mulherzinha”, por não ter tido mais controle sobre minhas emoções como a maioria dos homens têm, seja no ambiente de trabalho ou nas relações pessoais.

Eu choro. No meio de filmes, por causa de vídeos com crianças, gatos e gente velha, quando testemunho histórias de superação, com comerciais na TV, em partidas esportivas, ao ouvir o hino nacional, em casamentos de gente que gosto e também de desconhecidos. Choro quando estou triste, cansada, zangada. Mas chorar no local de trabalho sempre foi, para mim, sinal de descontrole emocional. Engolir o choro e fingir naturalidade deveria ser uma habilidade de qualquer um que quisesse vencer na vida profissional. Algo em que a maioria dos homens sempre foi mais hábil do que as mulheres.

Estava errada. Não são as mulheres que têm que aprender a controlar suas emoções a todo custo para provar que podem ser iguais aos homens. Querer igualdade de oportunidade no mercado de trabalho não tem nada a ver com se comportar como um machinho inabalável. Não à toa chorar alivia, a gente bota pra fora, pelos olhos mesmo, tudo aquilo que embaralha as emoções. Li em algum lugar que as lágrimas contêm um analgésico natural e isso explicaria parte da nossa sensação de alívio depois que choramos.

A maioria dos homens foi criada desde sempre para o que se convencionou a ser macho, para não chorar, para não bancar a “garotinha”. Tudo isso para dizer que não sejam fracos. O preço individual e também para a sociedade tem sido alto. O documentário A Máscara Em Que Você Vive (Netflix) mostra como a ideia de que os meninos não podem expor seus sentimentos tem criado gerações de homens ansiosos e inseguros que não sabem lidar com raiva, tristeza, frustrações, simplesmente porque tem que provar a sua masculinidade o tempo todo e não têm com quem conversar sobre suas fragilidades e sentimentos.

Alguma dúvida de que se os homens fossem criados para que pudessem ser mais sensíveis e assumissem suas vulnerabilidades, boa parte dos problemas de violência do mundo seria resolvido?

Aprender a chorar, como as meninas fazem desde sempre, pode ser uma das mudanças sociais mais importantes para que a hierarquia que se constrói entre homens e mulheres diminua. E também para que os homens passem por um processo de humanização e de desintoxicação da masculinidade, que enfrenta uma saudável reconstrução.

Ao chorar diante do mundo quando renunciava a um dos cargos mais poderosos da vida pública, Theresa May não agiu como “mulherzinha”, apenas mostrou que é humana. Porque é isso que as pessoas fazem quando estão felizes, tristes, frustradas, putas da vida: choram.

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