Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Coronavírus

A vida ficou para depois da pandemia

Talvez seja cedo para acreditar no Carnaval 2022, mas me deixe sonhar, porque foi tudo que nos restou

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A descrição era “ombreira de paetês multicolorida”, num desses anúncios que aparecem nas redes sociais. Quando me dei conta, não só eu já tinha colocado o adereço no carrinho da loja virtual como pesquisava por “maiô cavado brilhante”. Eu sei, talvez seja cedo demais para acreditar no Carnaval 2022, mesmo com a vacinação que avança. Mas, por favor, me deixe sonhar, me permita planejar o futuro, porque foi tudo que nos restou. Fazer planos.

Todas as minhas frases se autocompletam com “quando tudo isso passar”. Vamos tomar um café “quando tudo passar”. Churrasco aqui em casa “quando tudo passar”. Mesão no bar “quando tudo passar”. Bora acordar na sarjeta, uhu!, “quando tudo passar”.

O problema do “quando tudo passar” é que não há prazos, e eu trabalho com prazos. Planejar a vida sem saber quando ela vai acontecer é como decidir o que fazer com o dinheiro da Mega-Sena só porque apostou no jogo. No dia seguinte ao sorteio, acordo pobre e atrasada, como sempre. E os dias na pandemia são iguais, desde março de 2020, com uma exceção ou outra.

Não tem mais a hora do cinema, do teatro ou do restaurante. Não tem mais roupa na lavanderia para pegar. Não tem mais que dar um pulo na sapataria. Acabou bate-perna nas ruas do bairro. Não tem mais voo para perder ou fim de semana para maratonar série. Pode ser numa terça. É tudo mais do mesmo.

Então, eu driblo a distopia que vivemos com foco no “quando tudo passar”. Entro em sites de viagem, escolho destinos, aproveito promoções, reservo passagens para cancelar no dia seguinte. Procuro hotéis, leio dezenas de avaliações e coloco na caixinha imaginária do “quando tudo passar”.

Sem ter esquiado na vida, passei três horas numa loja de roupas de inverno à procura de botas quentinhas e um casaco ideal para aguentar baixar temperaturas. Enchi o carrinho de compras, para depois abandoná-lo. Nem sonhar a gente pode com o dólar do jeito que está.

Com meus sogros morando em Israel, conquistei o sonho da laje emprestada. Meu conje e eu equipamos o espaço com uma minichurrasqueira e uma piscina inflável para encher de gente “quando tudo passar”. Mas “quando tudo passar” nem carne servida na Alvorada a 1.800 contos vai atrair os amigos. Churrasco de gato, na rua, será mais concorrido.

Nunca participei de suruba, preguiça só de pensar em dar atenção para muita gente, mas o jornal The Guardian mostra que se esgotaram os 800 ingressos de uma festa que promete “positive human interactions”. É um jeito bonito de descrever suruba. Não sou de suruba, mas depois de uma pandemia, sei lá, precisamos rever valores.

Com a chegada das vacinas — antes tarde do que só no ano que vem—, “quando tudo passar” ficou um pouco mais perto. Agora, já vislumbro alguns poucos planos para “depois da segunda dose”. Virou um mantra entre meus amigos, na esperança de que a população seja vacinada até o fim do ano.

Nos meus grupos de WhatsApp, que antes trocavam fotos de viagens, festas e aglomerações, o que mais temos são registros de gente emocionada nos postos de saúde. É o que temos para agora. Nem suruba ou Carnaval devem fazer as pessoas tão felizes. Mas a “ombreira de paetês multicolorida” está garantida para quando tudo isso passar.

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