Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu machismo

Tenho que gostar de todas as mulheres?

Feminismo é um movimento social que defende interesses coletivos

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Sou feminista, tenho que gostar de todas as mulheres? Ouvi essa pergunta recentemente. Não imaginava que fosse uma questão. Mas é. O discurso bem-vindo da sororidade parece dar um nó nas sinapses de muita gente e não é bem compreendido nem mesmo por quem levanta a bandeira do ativismo. Não. Você, feminista ou simpatizante do feminismo, não tem que gostar de todas as mulheres.

O feminismo não é um clube em que as associadas firmam um pacto em que caráter e comportamento são inquestionáveis. É um movimento social que defende interesses coletivos —ao menos é como deveria ser. Portanto, é preciso entender que sororidade não trata de relações individuais. Não é sobre a patota com quem você se relaciona, é sobre união, empatia e cooperação femininas, que promovem conquistas para todas nós, inclusive para aquelas com quem não queremos nos relacionar. Inclusive para aquelas que se proclamam antifeministas, aquelas de quem sentimos certo horror.

A sororidade se manifesta no dia a dia, ao apoiar políticas públicas e iniciativas privadas que facilitem a inclusão da mulher no mercado de trabalho, na defesa de uma legislação mais rigorosa contra violências, na valorização da figura feminina em todas as nossas áreas de atuação, em especial naquelas em que ainda somos exceção.

Sororidade é elogiar e enaltecer a presença da mulher principalmente onde nunca fomos bem-vindas, nunca tivemos espaço. É dar as mãos para combater preconceitos relacionados à aparência, idade, peso. De novo, não é sobre você ou sobre mim. Sororidade é o exercício coletivo de sobrevivência e de valorização de um grupo.

Você pode continuar a não gostar da coleguinha de trabalho, evitar o café com a sua chefe, achar um porre a praticante de ioga da sua turma, fugir de antigas amizades, se afastar de mulheres tóxicas. Sim, elas existem. Mulheres são humanas, mentem, traem, roubam, matam, são dissimuladas, manipuladoras, interesseiras, más profissionais. Entender a natureza humana e adotar critérios comuns para estabelecer nossas relações íntimas é o esperado.

Está liberado não sentir nenhuma simpatia inclusive por outras feministas, sem perder a carteirinha do sindicato. O que deveria cassar associadas é usar a causa para prejudicar outras pessoas, independentemente do gênero. Mas essa confusão sobre sororidade, às vezes, é alimentada por ativistas, influenciadoras, jornalistas, que no feed de suas redes propagam o discurso de união irrestrita entre as mulheres, mas no escurinho do WhatsApp disseminam discurso de ódio contra aquelas que não rezam por meio de suas cartilhas. Apenas parem. É aceitável não gostar, não concordar, não querer tomar uma breja com outra mulher, mas não dá pra discursar bonito para os holofotes e passar a perna nos bastidores. É o mesmo tipo que fala bonito sobre como o patriarcado estimula a competitividade entre as mulheres blá-blá-blá, enquanto fala mal da coleguinha.

Pois é, há mulheres que não são exemplo para nada e as quero a quilômetros de distância. Mas o conceito da sororidade serve para nos fortalecer como uma entidade social, como membros atuantes em uma sociedade em que nossos papéis sempre foram castrados.

Gosto de um exemplo que vem lá dos anos 1950. Uma cantora negra, pouco conhecida, considerada gorda e sem sex appeal, não conseguia se apresentar na famosa boate Mocambo, em Hollywood. Marilyn Monroe, que já era Marilyn Monroe, conhecia a artista e contatou o dono da boate. Comprometeu-se a comparecer todas as noites, levar jornalistas e artistas e a se sentar na primeira fila se a tal cantora tivesse uma chance. "Nunca mais tive que cantar em clube de jazz pequeno", conta uma tal de Ella Fitzgerald. Sororidade.

Marilyn e Ella se tornaram grandes amigas, mas exemplos como esse mostram que atitudes individuais podem abrir caminho para conquistas coletivas.

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