Marina Izidro

É jornalista e vive em Londres. Cobriu seis Olimpíadas, Copa e Champions. Mestre e professora de jornalismo esportivo na St Mary’s University

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A dor dos que esperam por medalhas roubadas pelo doping

Caso da patinadora russa de 2022 volta às manchetes e atleta dos EUA diz que sistema 'falha com os atletas'

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Se você gosta de assistir à patinação artística no gelo –normalmente durante Olimpíadas de inverno, quando passa na televisão–, talvez se lembre do escândalo envolvendo a adolescente russa Kamila Valieva em 2022. Mais de um ano e meio depois, atletas envolvidos no caso ainda esperam uma solução.

À época com 15 anos, a prodígio do esporte foi a primeira no planeta a completar um salto quádruplo em Olimpíadas, nos Jogos de Pequim 2022, e ajudou seu país a ganhar o ouro por equipe. No dia seguinte, foi revelado que Valieva havia tido resultado positivo, semanas antes, no teste para trimetazidina, substância usada para tratar dores no peito e proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada).

Como menor de 16 anos, foi considerada "pessoa protegida" pela Wada, mas o Comitê Olímpico Internacional decidiu que ninguém ganharia as medalhas até que tudo fosse esclarecido. Ela pôde competir na prova individual –sob pressão, caiu, saiu chorando e terminou em quarto lugar.

Kamila Valieva em apresentação por equipe na Olimpíada de Inverno de Pequim em 2022 - Manan Vatsyayana - 15.fev.23/AFP

Nesta semana, a Corte Arbitral do Esporte (CAS), com sede na Suíça, começou a ouvir os envolvidos. Só que o painel pediu novos documentos e a audiência foi suspensa até novembro.

A Wada quer Valieva banida por quatro anos, e a Rússia certamente perderia a medalha. Lembrando que os russos competiram nos Jogos de Inverno como neutros, punidos por outro escândalo de doping sistemático. Se o CAS disser que Valieva é culpada, o ouro vai para os Estados Unidos, a prata para o Japão e o bronze para o Canadá. A decisão pode sair só em 2024.

Não é a primeira nem será a última história desse que é o lado mais triste do esporte. Muitos atletas limpos já tiveram negado o momento mais importante de suas carreiras: a celebração de sua conquista no pódio. Não há nada que substitua o privilégio de ganhar uma medalha olímpica, ouvir o hino de seu país.

Atletas muito jovens, como Valieva, também são potenciais vítimas, porque a maioria não tem maturidade para contestar decisões de equipes médicas e acaba sendo parte da engrenagem de um sistema sujo e desonesto.

Em 2017, fiz uma reportagem para o Esporte Espetacular que foi tocante para mim. Mostramos como a equipe feminina do revezamento 4x100m do Brasil nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008 recebeu o bronze pelo terceiro lugar herdado na prova após a Rússia ser desclassificada por doping. Só ganharam a medalha nove anos depois. Em 2019, foi a vez do revezamento masculino brasileiro ganhar o bronze, por causa do doping da campeã Jamaica. Um dos atletas, Sandro Viana, descreveu o momento como "ter um filho e só o conhecer 11 anos depois".

Kamila Valieva na apresentação individual em Pequim - Cao Can - 17.fev.22/Xinhua

Há uma frase, que já ouvi em círculos olímpicos, que diz que "o doping sempre está à frente do antidoping". Cruel, e realista. Um dos americanos parte da equipe de patinação artística que foi prata na prova de Valieva disse esta semana que o sistema antidoping mundial está "falhando com os atletas". As caixas vazias das medalhas estão em exposição no museu olímpico dos Estados Unidos.

Cada vez que um competidor dopado tira de outro o seu lugar legítimo no pódio, há um prejuízo emocional imensurável e outro econômico. A foto de um atleta com uma medalha olímpica no peito é o sonho de patrocinadores.

Não sou especialista em doping, mas espero que autoridades do esporte mundial estejam pensando em como acelerar julgamentos de casos como o de Valieva, dos revezamentos, e tantos outros, e em como melhorar sistemas e regras. Justiça que tarda demais acaba por falhar.

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