Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Brics

Índia está a caminho de ultrapassar o crescimento da China

O desafio crucial é a educação

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O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, acena durante discurso
O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, em Bangalore - Abhishek N. Chinnappa/Reuters

A Índia importa, hoje, e importará ainda mais no futuro. É uma democracia com economia em rápido crescimento, e em breve será o país mais populoso do planeta.

Os ocidentais deveriam torcer apaixonadamente para que a Índia se torne um modelo bem-sucedido de democracia e de desenvolvimento baseado na economia de mercado. Uma questão importante, assim, é determinar se o governo de Narendra  Modi, que está no poder desde maio de 2014, fez diferença decisiva na trajetória econômica indiana. Não há provas conclusivas, ainda. Mas as reformas que ele introduziu podem gerar diferença mais perceptível nos próximos anos.

Uma virada decisiva nas políticas econômicas e no desempenho da economia indiana aconteceu depois da crise cambial de 1991. A versão indiana do processo chinês de reforma e abertura elevou o crescimento médio da renda per capita do país a 5% ao ano, entre 1992 e 2017. A média móvel quinquenal de crescimento da renda per capita atingiu os 7,2% nos anos anteriores a 2007 (inclusive), antes de cair para 5,8% no período até 2017.

Essa desaceleração é decepcionante. Mas se o ritmo for mantido, a renda per capita do país dobrará a cada 12 anos. Isso seria transformador —e não só para a Índia, já que a ONU projeta que a população do país deve atingir o 1,6 bilhão de pessoas em 2040 (17% da população mundial).

Uma questão importante é determinar se o ritmo de crescimento da Índia continuará a cair, se estabilizará ou voltará a crescer. Um aspecto crucial, quanto a isso, foi a queda pronunciada no ritmo de investimento do país, de um pico de 40% do PIB em 2011 para 30% em 2017. Se o ritmo de investimento se mantiver nesse segundo patamar, é improvável que o crescimento do PIB supere os 8% anuais, quanto mais atinja um ritmo ainda mais elevado, se bem que não deva cair abaixo do nível atual.

Em retrospecto, a disparada do investimento no começo dos anos 2000 era claramente insustentável. E isso legou ao país o problema do "duplo balanço", resultante das más dívidas dos bancos e de muitas empresas.

Os analistas responsáveis pelo recente Panorama Econômico indiano concluem que reverter uma desaceleração no investimento causada por balanços assim desgastados é uma tarefa difícil. A agenda, sugere o estudo, deveria incluir sanear os balanços desfavoráveis, uma tarefa que já está em curso.

Igualmente importante é obter maior progresso na redução do custo de fazer negócios, por meio da criação de "um ambiente tributário e regulatório claro, transparente e estável". Mas é preciso questionar se um governo que recentemente tirou de circulação boa parte do estoque monetário do país será capaz de criar um regime estável como o descrito.

Os problemas na implementação do novo imposto sobre bens e serviços, que representa uma reforma valiosa, causaram ainda mais estrago.

Modi indicou sua determinação de implementar reformas estruturais vitais em seu discurso no mês passado durante o encontro anual do Fórum Econômico Mundial de Davos. A agenda dele é impressionante e ampla.

O Panorama Econômico argumenta que a desaceleração da economia indiana, em 2016 e no começo de 2017 já foi revertida: o país agora avança a toda velocidade (ou pelo menos a meia velocidade). No entanto, com base naquilo que aconteceu até agora, seria razoável apostar que o crescimento se estabilizará entre os 7% e os 8% ao ano, desde que o ambiente internacional continue favorável (e esse é um requisito complicado). A Índia deve mesmo assim retomar o título de economia de mais rápido crescimento no planeta, este ano, superando a China.

E quanto aos desafios de longo prazo? Remover obstáculos a um investimento mais alto e encorajar os indianos a poupar são igualmente importantes. O Panorama Econômico também aponta, triunfalmente, que a Índia subiu em mais de 30 postos no ranking Doing  Business, 2018, do Banco Mundial, chegando pela primeira vez a uma posição entre os 100 primeiro colocados.

Isso de fato resulta das reformas que o governo promoveu. Mas o país ainda está 22 posições abaixo da China no ranking. E ocupa o 164º posto quanto ao cumprimento de contratos. Isso reflete a ineficiência do Judiciário, que tem traços dignos de Charles Dickens. A Índia pode, e deveria, fazer mais.

Em resumo, porém, o potencial de melhora nas políticas públicas e nas instituições, em um país que continua pobre (sua renda per capita equivale a um oitavo da norte-americana), deve criar confiança em que o crescimento rápido continuará. Mas o Panorama Econômico pergunta, ousadamente, se não existe hoje uma tendência a que economias que ficaram tão para trás quanto a indiana fracassem em recuperar o atraso ante os países ricos.

O estudo aponta, especialmente, para obstáculos que não existiam no passado. Eles incluem a reação mundial contra a globalização, que pode desacelerar o crescimento das exportações; a tendência a que o crescimento da indústria atinja um pico mais cedo no processo de desenvolvimento, ou "desindustrialização prematura"; o desafio de elevar o padrão dos recursos humanos; e o impacto negativo da mudança no clima sobre a produtividade da agricultura.

O desafio crucial é a educação. A Índia continua a não oferecer educação adequada para uma vasta proporção de suas crianças —falha que afetará a qualidade de sua força de trabalho por muitas e muitas décadas. O Panorama Econômico também apresenta argumentos fortes em favor de ampliar os esforços científicos da Índia e investir mais em pesquisa e desenvolvimento, especialmente no setor privado.

Um traço estrutural notável da Índia, cuja importância vai muito além da economia, é a preferência social por filhos homens. Isso transparece na forte tendência das famílias a continuar tendo filhos até que nasça um menino.

O número estimado de "mulheres desaparecidas" na Índia —o número de mulheres que fariam parte da população se a razão entre homens e mulheres fosse a normal— é hoje estimado em 63 milhões.

O número de meninas indesejadas —que nasceram porque seus quais estavam tentando ter um menino —chega a 21 milhões. O pior é que esses preconceitos não estão desaparecendo com a prosperidade.

Embora o tratamento às mulheres indianas tenha melhorado de muitas maneiras, a preferência teimosa quanto a meninos permanece. Tanto o resultado dessa preferência quanto as atitudes sociais que a causam terão de mudar. As duas coisas são muito prejudiciais. O desenvolvimento econômico importa. Mas nunca é suficiente por si só.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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