Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times

Por que o Banco Central Europeu pode salvar a zona do euro

A instituição tem poder de fogo ilimitado e é a única da União Europeia que parece disposta a agir e tem capacidade para tanto

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A zona do euro sobreviverá à Covid-19? Se o fizer, será pelos mesmos dois motivos por que sobreviveu à crise financeira: medo de uma dissolução ruinosa e a ação da única instituição capaz de fazê-lo na escala necessária.

Em julho de 2012, Mario Draghi declarou a uma audiência em Londres que “nos termos de nossa missão, o BCE está pronto a fazer o que quer que seja necessário para preservar o euro. E podem acreditar: será suficiente”. O Banco Central Europeu (BCE) está repetindo essa afirmação agora. E uma vez mais, deve ser suficiente.

A pandemia está criando um enorme choque comum. Mas seus resultados são assimétricos. Entre os países membros de maior porte, os efeitos mais severos da doença se fizeram sentir na Itália e Espanha, embora a França esteja começando a senti-los mais intensamente.

Presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde
Presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde - Kai Pfaffenbach/Reuters

De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro vai encolher em 7,5% este ano; o PIB da Alemanha cairá em 7%, mas o da Itália cairá em 9,1%. O Fiscal Monitor, uma publicação do FMI, prevê que o déficit fiscal da zona do euro fique em 7,5%, o da Alemanha em 5,5% e o da Itália em 8,3%.

Infelizmente, até mesmo essas projeções parecem otimistas. A projeção “básica” da “Perspectiva Econômica Mundial” do FMI presume que as paralisações só durarão até o segundo trimestre de 2020. Mas é muito provável que se estendam mais, ou que seja necessário repeti-las.

No cenário básico, o PIB dos países de alta renda encolheria em 2% de 2019 a 2021. Na pior alternativa – uma paralisação mais longa agora, seguida por nova paralisação em 2021 -, o PIB de 2021 ficaria quase 10% abaixo do PIB de 2019. E mesmo sob essa estimativa básica, o FMI estima que a dívida pública italiana suba a 156% do PIB do país este ano, ante 135% no ano passado. A dívida pública de diversos integrantes da zona do euro será imensa, nos próximos anos.

Essa percepção gerou o que costuma ser designado eufemisticamente como “risco de redenominação” – medo de calotes, de crises financeiras e por fim de saídas da zona do euro. Com isso, o spread entre o rendimento dos títulos de dívida italianos e a média da zona do euro, ponderada por PIB, começaram a se alargar, com a ajuda de uma declaração infeliz da presidente do BCE, Christine Lagarde, de que não era função do banco central “reduzir o spread”.

Com seu Programa de Aquisições de Emergência para a Pandemia, em valor de 750 bilhões de euros, o BCE reverteu o dano causado. Isabel Schnabel, integrante alemã do conselho do banco central, expôs o raciocínio envolvido. O BCE ela explicou, tem dois objetivos primordiais, “restaurar o funcionamento ordenado dos mercados financeiros da zona do euro” e garantir que “nossa política monetária acomodatícia continue a ser transmitida para todas as partes da área da moeda unificada”.

O risco de redenominação coloca os dois objetivos em risco. Isso confere ao BCE uma obrigação potencialmente ilimitada de intervir. Além disso, porque o maior desafio vem sendo a “heterogeneidade” das condições vigentes na zona do euro, o BCE precisa “agir flexivelmente ao longo do tempo, das categorias de ativos e das jurisdições”, como seu novo programa agora permite.

O BCE fez o certo e readmitiu a Grécia no sistema. O programa de emergência é limitado no tempo e em escala. Mas seus objetivos declarados significam que o banco central terá de fazer ainda mais, se necessário. Em resumo, o BCE assumiu o compromisso de agir como se fosse o banco central nacional de cada país membro. Porque a instituição emite a segunda mais aceita entre as moedas de reserva do planeta, tem a capacidade de fazê-lo.

Tecnicamente, em uma situação de redução da inflação ou de deflação, como a atual, um banco central tem poder de fogo ilimitado. Pode comprar qualquer coisa, ao preço que desejar, sujeito a apenas três restrições: primeiro, não pode exceder o limite do razoável em suas intervenções, causando inflação e fuga de capital; segundo, não pode exceder seus poderes legais; por fim, não pode destruir o consenso político que o criou.

A restrição associada à inflação não parece preocupante, hoje. Em algum momento, porém, o BCE pode desejar reverter suas intervenções e assim vender os papéis que detém. Isso poderia criar problemas para os governos mais endividados.

Quanto ao aspecto legal, o tribunal constitucional alemão e a Corte Europeia de Justiça decidiram em favor do banco central, até o momento. A corte europeia certamente sempre o fará, desde que o BCE seja cuidadoso. O tribunal alemão poderia decidir contra o banco central. Isso criaria uma crise política imediata. Os alemães têm uma opção de saída crível. Mas um retorno ao marco criaria um imenso choque econômico e político. Seria uma loucura que os alemães exerçam essa opção, por mais que odeiem as ações do BCE.

Em resumo, o BCE precisa fazer o que quer que seja necessário para ajudar cada integrante da zona do euro a administrar a atual crise. Mas e quanto as discussões paralelas sobre o papel do Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM, na sigla em inglês), e sobre a emissão de “coronabonds” ou alternativas semelhantes?

O ESM parece irrelevante. Seu poder de fogo seria pequeno demais. Por isso, ele só importa na medida em que poderia servir como gatilho ao Programa de Transações Monetárias Diretas do BCE, inventado em 2012. Mas, considerado o desenvolvimento posterior da compra de ativos pelo BCE, o programa de transações diretas perdeu a relevância. Além disso, a condicionalidade do ESM – se não agora, então mais tarde, quando chegar a hora da rolagem – faz de seus empréstimos um anátema. Eles também seriam divisivos, quando o requerido é solidariedade.

Politicamente, um instrumento financeiro comum (“coronabond”) é atraente para alguns mas anátema para outros. Não vai acontecer. No entanto, um instrumento como esse parece ser a saída básica para o BCE quando este desejar vender os títulos que está a ponto de adquirir. De outra forma, poderia haver dificuldades com as montanhas de dívidas que existirão no futuro. No entanto, desde que as taxas de juros continuem baixas e o BCE mantenha seu apoio, podemos nos surpreender com o grau de sustentabilidade da dívida. É o custo da dívida, não seu montante, que determina a sustentabilidade.

O colapso da zona do euro seria uma catástrofe. O BCE é a única instituição disposta a e capaz de agir. Os governos deveriam apoiá-lo. Agora é hora de agir, “não importa o que seja necessário”, uma vez mais.

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci

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