Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Mauricio Stycer

Rindo dos poderosos

Em atração semanal na Netflix, Michelle Wolf bate sem dó nos políticos e na mídia

A comediante Michelle Wolf no jantar dos correspondentes da Casa Branca - Aaron P. Bernstein/Reuters

A Netflix provocou uma ruptura no mercado ao colocar séries originais completas à disposição dos assinantes, no lugar da exibição semanal, capítulo a capítulo, como fazem os canais de TV. Recentemente, porém, o serviço de streaming começou a oferecer alguns programas à moda antiga, soltando episódios novos uma vez por mês ou por semana.

"Em sua inquietante missão de dominar todos os ramos do entretenimento", como notou o jornal inglês The Guardian, a empresa está agora apostando em segmentos que dependem muito da atualidade: os talk shows e os chamados "comedy news", humorísticos inspirados no noticiário.

Depois de "O Próximo Convidado Dispensa Apresentação, com David Letterman", distribuído uma vez por mês, a Netflix resolveu atacar ainda mais diretamente esse nicho com "The Break", apresentado por Michelle Wolf. A cada domingo um novo episódio é colocado no ar.

A comediante ganhou notoriedade no mais recente jantar dos correspondentes da Casa Branca, em abril, com uma apresentação feroz, na qual riu não apenas de Donald Trump mas de sua principal assessora de comunicação e dos grandes veículos de mídia, The New York Times à frente.

"Não vou tentar ensinar nada a você, ou discutir política contigo", foi logo avisando a humorista na estreia de "The Break", há um mês. E, após breve pausa, completou a piada: "Acho que sou, desta forma, uma espécie de programa de TV a cabo".

Ainda que não mencionado, a ironia de Wolf alcança um dos mais famosos programas do gênero, "Last Week Tonight", com John Oliver, exibido pela HBO americana, aos domingos, justamente. Sentado atrás de uma mesa, o comediante britânico faz, a cada semana, picadinho de algum tema candente do noticiário.

Michelle Wolf está propondo uma variação bem mais informal e escrachada do formato. Em 30 minutos, ela trata de uma infinidade de assuntos da semana, e não apenas de um grande tema, e se arrisca em vários formatos —o stand up, a "aula" atrás da mesa, pseudoentrevistas com outros comediantes e quadros de humor gravados.

Na melhor tradição do humor liberal americano, os alvos da comediante são os poderosos. O que inclui, ela avisou logo na estreia, a própria Netflix. Fazendo piada com as séries desnecessariamente longas do serviço, Michelle tripudiou da recente "Evil Genius" (atenção: contém spoiler): "Netflix, a gente não precisa de quatro documentários sobre o mesmo assassinato. Foi o marido dela. Parta para outra".

Ao falar, por exemplo da demissão de Roseanne Barr, após a publicação de um comentário racista no Twitter, Wolf naturalmente riu muito da comediante, mas não aliviou em nada para a rede de TV americana que a contratou: "Parabéns à ABC. Foi muita coragem demitir a Roseanne depois que ela foi racista pela milésima vez".

Michelle Wolf sabe exatamente onde está —e festeja isso. "Não temos patrocinadores!", gritou na estreia.

O presidente Trump, claro, é um alvo contumaz, mas a comediante não alivia para o "outro lado". O ex-presidente Bill Clinton tem apanhado bastante —o livro que acaba de publicar, em parceria com o escritor James Patterson, "The President Is Missing", foi colocado por ela na categoria "ficção de aeroporto".

A propósito, a Netflix classifica "The Break, with Michelle Wolf" na categoria de programas "com forte protagonista feminina". Esta "tag" ajuda a encontrar desde séries e filmes de terror até "dramas LGBT" e "programas de TV coreanos". É o casamento perfeito das demandas contemporâneas com as razões do mercado.

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