Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Jornalista admite erro que não foi só seu em filme do caso Escola Base

Documentário do Globoplay coloca Valmir Salaro para rever cobertura de 1994, mas mostra que culpa envolve mais veículos

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O caso Escola Base, ocorrido em 1994, é exemplar de situações em que os veículos de comunicação agem como um corpo coeso, competindo apenas para ver quem é mais rápido e traz mais novidades sobre um determinado assunto. Na pressa, não sobra tempo para refletir sobre os eventuais erros que possam estar cometendo ou para ter pena das reputações destruídas pelo caminho.

Com exceção do Diário Popular, cujo diretor, Jorge Miranda Jordão, decidiu não publicar sobre o assunto por julgar a denúncia inconsistente, houve cobertura intensa e extensa do caso por emissoras de TV, jornais e revistas semanais.

Valmir Salaro aguarda o reencontro com as vítimas da injustiça no documentário 'Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado', do Globoplay - Globo

Entre a primeira denúncia de duas mães à polícia, dizendo que os filhos de quatro anos haviam sido vítimas de abuso sexual na escola, e o fim do inquérito, inocentando os acusados, se passaram 22 dias. Tempo suficiente para prisões injustas, linchamento moral, destruição patrimonial e um espetáculo degradante no noticiário.

A mídia mergulhou de cabeça na cobertura sem saber que a denúncia era falsa, baseada num laudo do IML mal feito, atestando erradamente abuso em uma das crianças, divulgado por um delegado disposto a aproveitar a fama.

A primeira notícia foi dada pelo Jornal Nacional, em 29 de março. Sem o cuidado necessário, a reportagem de Valmir Salaro descrevia a versão policial, sem trazer a versão dos acusados ou alguma apuração própria do repórter.

Ao longo dos anos, diferentes veículos fizeram mea culpa e foram condenados a pagar indenizações pelos erros cometidos, incluindo este jornal, que realizou dois seminários internos (em 1994 e 2014) para discutir a cobertura do caso.

Mas a ferida continua aberta. Quase 30 anos depois do ocorrido, o Globoplay estreou "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado", no qual um dos principais repórteres policiais do país revê o seu papel na cobertura do caso —"uma história que há 27 anos me atormenta", afirma Salaro.

Com direção de Caio Cavechini e Eliane Scardovelli, o ótimo documentário repassa os erros de Salaro. Sobre não ouvir os acusados na primeira reportagem, ele diz: "Eles não me atenderam. Mas eu devia ter insistido até conseguir uma palavra deles".

O repórter fica constrangido ao rever uma entrevista que fez com um pai segurando o filho no colo e a mãe o induzindo a falar. Nos trechos mais comoventes, ele fica frente a frente com dois dos acusados e com o filho do outro casal, cujos pais já morreram. Um deles diz que se Salaro tivesse feito bem o seu trabalho, "eu não estaria aqui e nem o senhor".

Um momento crucial do documentário é a entrevista com Marcia Gonçalves, editora da primeira reportagem. "Quando você traz esse material, que era forte, a confiança que a gente depositou, não só minha, eu era uma editora, mas a gente tinha chefias, tinha produtores envolvidos. Essa matéria foi assistida. Tudo que vai ao ar no Jornal Nacional a gente sabe que tem um crivo, que mais pessoas assistem."

Salaro complementa: "É uma pena que hoje a gente sabe que esse caso tinha um problema e ninguém percebeu". Fez falta nessa hora o depoimento de algum jornalista de alto escalão da Globo e informações sobre o processo judicial sofrido pela emissora.

Os diretores conectam com habilidade imagens do passado e os depoimentos atuais, não apelam para sentimentalismo, não acusam nem perseguem ninguém. Pelo tom, seria uma boa lição exibi-lo na programação da TV aberta.

É de fato muito raro, corajoso e comovente ver um jornalista reconhecer seus erros da forma como faz Salaro. Mas o documentário deixa claro que a culpa do repórter não é maior do que a dos veículos que promoveram o massacre contra os donos da Escola Base. Não foi um erro de Salaro; foi um erro da imprensa.

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