Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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TVs usam eufemismos para não chamar manifestantes pró-Bolsonaro de golpistas

Mera reprodução dos fatos, sem contextualização, é uma forma não explícita de apoio ao que se mostra

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Pelos traumas que causou, o apoio quase geral da mídia ao golpe de 1964 deveria servir de lição agora. É uma mancha difícil de remover. É verdade que a simpatia pelo golpismo é menor do que no passado. Ainda assim, há veículos de comunicação fingindo não enxergar a gravidade da situação e, em alguns casos, permitindo a divulgação de incentivos a ameaças golpistas.

Um apresentador do SBT, que sempre defende a ação policial, nesta terça criticou a repressão a um bloqueio de estrada. "E não pode ter agressão de nenhum lado. A polícia não pode ir para cima dos caminhoneiros porque não são bandidos." Ele sabe o que está acontecendo, mas preferiu ignorar. Já um repórter foi mais preciso e chamou os manifestantes de "golpistas".

Apoiadores de Jair Bolsonaro protestam e pedem intervenção militar em frente ao CPOR, Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, no bairro de Santana, zona norte de São Paulo - Jardiel Carvalho/Folhapress

A mera reprodução dos fatos, sem contextualização, é uma forma não explícita de apoio ao que se mostra. Quando não se explica a intenção dos que bloqueiam estradas, transmite-se a impressão de que se trata de um protesto democrático, quando sobram evidências de que se trata de contestação à democracia.

Um exemplo: "Um dia depois do segundo turno, caminhoneiros e manifestantes de todo o país bloquearam estradas em protesto contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva. As ações acontecem em pelo menos 20 estados e no Distrito Federal. Nós começamos o Jornal da Record com o registro dos protestos".

Começar um telejornal assim, no dia seguinte a uma eleição presidencial, é praticamente uma confissão de tristeza com o resultado. Na terça, no mesmo telejornal, os golpistas foram chamados de "manifestantes que não ficaram satisfeitos com o resultado das eleições".

Canais de TV aberta, concessões públicas, não podem manifestar publicamente apoio político a quem quer que seja. Mas a defesa da democracia deveria ser uma causa sempre implícita no jornalismo televisivo. Duvido que alguém sofra qualquer punição por condenar este movimento dos caminhoneiros.

Ao contrário. Merece elogios a posição explicitada pela Band na segunda. "É ele, Jair Bolsonaro, que deve fazer esforços políticos e policiais para que a sociedade recupere o que ninguém pode tirar, o direito de ir e vir."

A Jovem Pan, uma das forças mais bolsonaristas na mídia, vem, desde o domingo, emitindo sinais ambíguos sobre a situação política. No que soou como guinada ao apoio que vinha dando, havia dois anos, a ideias golpistas, o canal divulgou um editorial cobrando que os derrotados na eleição reconhecessem o resultado das urnas.

"Os candidatos que disputaram as eleições deste ano devem ter esse compromisso claro e serem os primeiros —tenham vencido ou não— a manifestar a defesa e a confiança na decisão soberana do povo."

No dia seguinte, o canal anunciou uma série de demissões de comentaristas e apresentadores, entre as quais a de defensores da teoria de que a palavra final em uma democracia não é do STF, mas das Forças Armadas.

Outros comentaristas na Jovem Pan seguem considerando que a Justiça influenciou o resultado das eleições, ou argumentando que a disputa eleitoral não foi "justa". Diante das notícias sobre bloqueios em estradas, um deles disse: "Tem muita gente colhendo o caos que plantou", referindo-se à "forma autoritária" com que o TSE conduziu as eleições.

Curiosamente, o argumento de que a eleição não foi justa reverberou no discurso de Bolsonaro, no qual não admitiu explicitamente a derrota. "Os atuais movimentos populares são frutos de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral", disse o presidente, praticamente plagiando um comentarista da JP.

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