Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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É um erro lançar série sobre Flordelis ao mesmo tempo do seu julgamento

Promoção de documentário em meio a decisão sobre ex-deputada ser ou não culpada de matar marido é oportunista

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A série documental "Flordelis: Questiona ou Adora" enfrenta uma estranha e rara situação: a estratégia de lançamento do Globoplay afeta a forma como o conteúdo exibido pode ser compreendido pelo público.

Fotografia colorida de Flordelis sentada no tribunal, vista à meia distância e de perfil, com a cabeça baixa.
A ex-deputada Flordelis dos Santos de Souza começa a ser julgada nesta segunda-feira, 7 de novembro, acusada de ser mandante da morte do marido, o pastor Anderson do Carmo. - Brunno Dantas / TJRJ

A empresa decidiu oferecer os dois primeiros episódios aos assinantes na sexta-feira (4). Três dias depois, na segunda-feira, começou em Niterói o julgamento da protagonista da série. A ex-deputada Flordelis é acusada de mandar assassinar o marido, o pastor Anderson do Carmo, em 2019. Nesta próxima sexta-feira, novos episódios entram na plataforma.

Promover e lançar uma série sobre o assunto em meio ao julgamento transmite a impressão de oportunismo e sensacionalismo. Como se o julgamento fosse uma isca para impulsionar o programa. Ou, ainda pior, como se a série fosse capaz de alterar a percepção do público sobre o que ocorre no tribunal. Enfim, surfando numa onda que não é a sua, o Globoplay põe o marketing em primeiro lugar e diminui a importância da série.

Com roteiro e direção de Mariana Jaspe, "Flordelis: Questiona ou Adora" naturalmente trata do crime, mas o seu foco principal vai além. A julgar pelos dois primeiros episódios, o interesse maior é mostrar como foi construída a imagem da mãe adotiva de dezenas de crianças e o papel que diferentes universos – política, mídia e igreja – tiveram para transformá-la em uma figura de proa e, depois, para estigmatizá-la.

É uma história intrincada, que percorre algumas décadas, envolvendo dezenas de pessoas ao redor de Flordelis. Jaspe demonstra bastante habilidade ao lidar com as idas e vindas na linha do tempo. Também parece preocupada de maneira permanente em dar voz aos mais variados personagens, criando uma polifonia que, eventualmente, pode até confundir, mas enriquece demais a narrativa.

É um contraste notável, por exemplo, com "Pacto Brutal – O Assassinato de Daniella Perez", da HBO Max. Os realizadores desta série aceitaram um argumento sem pé nem cabeça de Gloria Perez para justificar que os dois condenados pelo crime não fossem ouvidos. "Para que entrevistar agora? Para dar palco para psicopata? O que eles têm para dizer a mais do que já foi dito?", questionou ela.

Por que este gênero, o chamado "true crime", virou moda? Justamente por que as séries documentais sobre crimes oferecem a oportunidade de ir além do que os jornais noticiaram na época em que os casos ocorreram. É uma chance de retratar melhor vítimas e criminosos, expor com mais detalhes os contextos em que os crimes foram cometidos, mostrar os caminhos e descaminhos que as investigações seguiram e o que influenciou a nossa percepção sobre eles.

Abrir mão, de forma consciente, de ouvir um lado da história sinaliza um entendimento limitado do papel de um documentário. Mostra falta de curiosidade e indica o desejo de confirmar à força uma tese sobre o assunto. Ou seja, é uma postura que vai na direção oposta à da intenção de informar e esclarecer.

Tivesse sido lançada bem antes ou depois da conclusão do julgamento, creio que "Flordelis: Questiona ou Adora" seria apreciada de forma muito diferente, e mais rica. Ainda assim, nitidamente, é um trabalho de alta qualidade. Já pronta, a série será obrigada a acrescentar, ao final dos seis episódios, alguma informação sobre o resultado do julgamento de Flordelis.

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