Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Mauro Calliari

Uma loja da Oxxo em cada esquina

Expansão faz pensar sobre a falta de diversidade da paisagem urbana

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A coisa já virou meme: "Se bobear, um dia, volto para casa e encontro uma loja da Oxxo no lugar" ou "Tropecei numa esquina, caí dentro de uma Oxxo".

A expansão dessas lojas no Brasil começou há pouco, mas já é mesmo espantosa. Serão quase 300 lojas no país, um terço em São Paulo, ainda neste ano. O que está por trás dessa estratégia e que impacto isso pode ter na cidade?

Um dos memes que ganhou as redes sociais sobre a rápida expansão da rede Oxxo - Twitter

Tudo começou no México. Ali a distribuidora de bebidas Femsa abriu sua primeira loja Oxxo em 1978. Num país em que a distribuição depende dos "abarrotes e tenditas"—as lojas familiares— a novidade deu tão certo que ultrapassou os lucros com seu negócio principal, as bebidas. E faz parte da vida cotidiana dos mexicanos. Além de produtos, eles pagam por serviços; dá para pagar contas, comprar créditos de celular, fazer câmbio e jogar na loteria nas quase 20 mil lojas existentes no país.

Quiosque típico em cidades do México conhecidos por 'abarrotes' - Henry Romero - 31.jul.03/Reuters

Em agosto de 2019, os mexicanos chegaram ao Brasil e pagaram quase meio bilhão de reais para se associar à Raízen, a dona dos postos Shell. A nova empresa foi batizada de Grupo Nós, e sua grande bandeira são as lojas Oxxo.

O bolso é fundo e a estratégia é agressiva. É o que executivos da empresa chamaram de "uma máquina de expandir". Em São Paulo, a onda de novas lojas parte do centro para os bairros e mira a periferia, onde o potencial parece ilimitado. O resultado a gente já pode ver nas ruas. Numa caminhada de 15 minutos no centro, você vai topar com seis ou sete lojas, uma pertinho da outra, mesmo sem procurar por elas.

Elas são praticamente iguais. O logotipo amarelo e vermelho na porta, a plaquinha explicando aos brasileiros a pronúncia do nome: "ó-qui-sô" e dentro dos imóveis de até 90 metros quadrados, um mix reduzido de mercadorias: produtos de limpeza, enlatados, congelados e a parte mais visível: bebidas, chocolates e salgadinhos.

Loja da Oxxo em São Paulo - Danilo Verpa - 14.nov.22/Folhapress

A empresa fez algumas mudanças em relação às lojas originais. Para combater as padarias paulistanas, resolveu oferecer pão e alguns salgados sem graça além dos sanduíches já embalados, que podem ser consumidos numas mesinhas. Quase nada de comida fresca. Encontrei em algumas lojas umas poucas bananas, batatas, cebola e alho. Talvez não seja por acaso que o México ostenta o infame recorde de maior consumo de refrigerantes e de obesidade do mundo. 70% das pessoas têm sobrepeso.

Bem, se vamos ver mais –ou muito mais– dessas lojas, é bom pensar no impacto que elas podem ter na cidade.

O primeiro impacto é o econômico. Um grupo desse tamanho consegue negociações melhores com fornecedores do que varejistas independentes, que dependem de atacadistas. Há ganhos na distribuição e ganhos na gestão da marca, que podem ser usados para reduzir preços ao consumidor, ainda mais com uma linha de produtos enxuta. No médio prazo, a empresa deve criar milhares de novos empregos.

Então, quem vai perder? Mesmo considerando um possível aumento na demanda por conta da conveniência, cada coisa comprada numa loja nova vai deixar de ser comprada em outro lugar. É possível prever que o impacto será sentido por vários concorrentes: o bar, o supermercado do bairro, outras lojas de conveniência, e, principalmente, as padarias e os pequenos mercadinhos e quitandas que ainda sobrevivem na cidade.

O varejo está vivendo uma revolução. O comércio eletrônico e o delivery explodiram na pandemia e há novos e variados modelos de venda. Um exemplo, a Ambev, a gigante das cervejas está fazendo uma tentativa de manter sua relação com os bares, tornando-os parceiros na distribuição do seu serviço de delivery, o Zé Delivery. Outras cadeias também tentam dominar o comércio local, como o Minuto Pão de Açúcar, o Carrefour Express e as lojas Hirota (que oferecem até orgânicos) mas ninguém parece vir com a fome e o investimento da Oxxo.

O impacto dessas mudanças todas deve ser sentido também no espaço público. Cada padaria que fecha é um ponto de encontro que se vai, relações que se perdem. O dono de um bar no térreo do predinho onde mora tem uma relação diferente com vizinhos, outros comerciantes, com a cidade. Claro que nada é bom ou ruim a priori. A cidade está cheia de lugares sujos e hediondos. As novas lojas são limpas e várias funcionam 24 horas, o que contribui para a vitalidade da rua e aumenta a segurança.

Por outro, lado, a possível perda da diversidade nas ruas é algo a se lamentar.

Até a paisagem urbana fica previsível: "para chegar ao seu destino, siga em frente até encontrar uma Oxxo, ande até a próxima Oxxo e quando você encontrar uma Oxxo na esquina, vire à direita". Isso se soma à profusão de franquias e redes, que simplificam a vida do empreendedor mas que tornam previsível a cidade: da Casa do Pão de Queijo à Lupo, da Hering ao Boticário passando pela Cacau Show e a Padaria Benjamin, é cada vez mais comum encontrar as mesmas lojas nos pólos comerciais dos bairros.

Claro que o sucesso de cada negócio está na mão do consumidor e é ele quem vai decidir o que quer. O apelo pela conveniência e preço é grande, mas ninguém garante que algumas cadeias venham a sofrer destruição de valor com as vantagens ficando na mão de poucos no longo prazo.

Parte do receio por essa mudança, reconheço, é mesmo sentimental. Mil lojas iguais geram uma paisagem muito mais entediante do que mil lojas diferentes. A padronização visual também espelha a homogeneização de relações, um manual repetido à exaustão, onde os processos e padrões reinam soberanos sobre a variedade da miríade de pequenos negócios, pequenos comerciantes e pessoas que às vezes conseguem tornar especiais um balcão de bar, uma padaria, um café, uma coxinha, um bolo e uma conversa.

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