Domingo passado, estava em Porto Alegre e aproveitei o dia de sol para fazer uma longa caminhada pela cidade. Andei por alguns bairros, pelo centro e ao longo do Guaíba. Terminei o dia esgotado e impressionado. Num dia sem shows, jogos ou eventos, a cidade inteira parecia estar nas ruas, ocupando com naturalidade os espaços públicos.
A orla
A Orla do Guaíba é um gigantesco sucesso e reabilitou o contato das pessoas com o rio, historicamente segregado. A multidão se aboleta nas escadarias generosas para ver o pôr do sol, estende toalhas no gramado, faz fila para comer sanduíche de linguiça no food truck ou apenas caminha. A partir do Gasômetro, dá para andar quilômetros até o estádio Beira Rio. O pedaço concluído em 2018, chamado de Parque Jaime Lerner, tem um projeto lindo e inteligente, que aproveita o declive do terreno e se lança até o rio, com passarelas que as pessoas trilham com gosto.
Ali perto do Gasômetro, há um empreendimento que aproveita os galpões do cais, o Embarcadero. Amigos me explicaram o lugar como uma tentativa de emular o Puerto Madero. Passa bem longe disso, mas os restaurantes, estandes de comida e quadras de beach tennis conseguem atrair famílias em busca de um programa na beira do rio. O projeto deve continuar e vai aumentar a escala nos próximos anos, com participação grande de investimentos privados.
Parque da Redenção
Um dos grandes espaços públicos do Brasil. Para começar, nada de grades para cercar as árvores e lagos. Os milhares de pessoas caminham, assistem aos artistas e capoeiristas e compram nas barracas do Brique, uma enorme feira de artesanato e arte. Muita gente vem caminhando dos bairros ali ao redor, como Bom Fim e Farroupilha, o que reduz a pressão por estacionamento e aumenta a diversidade. Cadeirantes, crianças, famílias ou solitários circulam sem constrangimento ou medo algum.
O centro
No feriado, o movimento do centro é menor, mas, mesmo com lojas e repartições fechadas, encontrei muita gente nos pontos históricos. Com exceção da área da Rodoviária, a julgar pela tranquilidade dos passantes, a sensação é de relativa segurança. O Mercado Público tem restaurantes e lojas cheios e um espaço generoso ao redor. A Praça da Alfândega, agradabilíssima, é tombada pelo Iphan. Ali pertinho, o Farol Santander ocupou o lindo prédio que foi dos Correios e cobra entrada.
Mais um pouco e chego a um edifício quase inacreditável. É a Casa de Cultura Mario Quintana. O antigo hotel Majestic, do arquiteto Theodor Wiederspahn, foi reformado e é de tirar o fôlego. São duas alas que sobem paralelas e que se juntam através de um intricado sistema de varandas e passarelas. O poeta morou no hotel durante anos e ainda há uma bela reconstituição do quarto, com a indefectível escrivaninha. Lá em cima, um café com vista para o centro e o rio Guaíba.
Os prédios públicos se integram com naturalidade aos espaços públicos. Na praça em frente à prefeitura, olho com inveja para os bancos ao redor de uma fonte. Mais para cima, a Catedral Metropolitana, o Palácio Farroupilha e o Palácio Piratini emolduram a praça da Matriz, onde skatistas manobram, famílias passeiam e voluntários entregam comida para os desabrigados das enchentes recentes no estado. Ao lado da Catedral, um simpaticíssimo restaurante, com mesas ao ar livre. O paulistano pensa na sua Praça da Sé e se cala.
Nos bairros, o Bom Fim chama a atenção pelas calçadas vitais. Os prédios de poucos andares oferecem janelas e varandas para a rua. Nos mais altos, poucas guaritas e muros gigantes. De dia, vejo duas meninas vendendo limonada (!) numa barraquinha que montaram no jardim de sua casa. De noite, tropeço na fila dos frequentadores hiperproduzidos do Ocidente, há tempos o espaço de música, ideias e atitudes da cidade.
Em Moinhos de Vento, a atenção se volta para a arquitetura dos prédios. As calçadas arborizadas e bem cuidadas levam centenas de pessoas até o Parcão, ali pertinho. O parque é lindo e totalmente aberto. Impossível não pensar no paralelo paulistano com o bairro do Higienópolis e o Parque Buenos Aires, cercado por grades. Ao redor do Parcão, restaurantes, mesas, prédios, hotéis, lojas, todos conversando com o verde.
A rua mais bonita do mundo
Anos atrás, alguém ficou encantado com o teto verde das sibipurunas da rua Gonçalo de Carvalho e a batizou de rua mais bonita do mundo. O apelido pegou, há até placas turísticas indicando o lugar. No meu trajeto, vi pouca gente passeando por ali e o estacionamento de um shopping traz aquela sensação de que a rua não é tudo isso. Em termos de urbanidade, no meu ranking imperfeito, a vencedora seria a rua dos Andradas, lá no centro, com predinhos, lojas, árvores e restaurantes, bares e, claro, gente.
O turista-caminhante não tem legitimidade para saber o que anda acontecendo no resto da cidade, onde a infraestrutura é mais precária, nem para julgar o dia a dia da vida no local. Mas tem toda condição de fruir a caminhada, ver espaços de qualidade sendo usados com intensidade pelas pessoas e admirar os porto-alegrenses que bebem seu chimarrão e aproveitam o que a cidade tem para oferecer num domingo de sol.
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