O arquiteto Charles Jenks localizou o fim da arquitetura modernista às 15h32 do dia 15 de junho de 1972. Foi o momento do fim da implosão do infame conjunto habitacional de Pruitt-Igoe, projetado por Minoru Yamasaki (o mesmo das torres gêmeas), em St. Louis, nos EUA. Desconectado da cidade, em menos de 20 anos, ele havia se tornado violento, inseguro e obsoleto.
Na mesma época, no Brasil, estávamos a pleno vapor no planejamento e construção de cidades centradas no uso dos automóveis. Em São Paulo, na década de 1970, erigimos o Minhocão e começamos a construir os conjuntos de Cidade Tiradentes, distantes 35 km do centro.
Até hoje, num mundo que discute fontes renováveis, transporte coletivo e mobilidade ativa, as idiossincrasias brasileiras são o reflexo de avanços e retrocessos na nossa visão das cidades.
Mas nós também temos nosso marco urbanístico, que está completando 10 anos: a demolição do elevado da Perimetral, no Rio de Janeiro, entre o final de 2013 e o início de 2014. Trata-se de uma daquelas raras ações que desafiam o urbanismo predatório que privilegia a circulação em detrimento da qualidade dos lugares.
A Perimetral veio abaixo graças a uma conjunção de circunstâncias. Foi a época da Copa e das Olimpíadas. Havia dinheiro federal, havia apoio estadual e havia a vontade política municipal. A cidade ficou em polvorosa durante meses, o trânsito parecia não ter solução com o fechamento de um seus principais eixos rodoviários, o dinheiro acabou, mas o monstrengo veio abaixo.
Apesar de todos os problemas atuais do Rio de Janeiro, o centro da cidade ganhou a possibilidade de uma requalificação que seria impossível sem o fim da Perimetral. A praça Mauá se reconectou à cidade, abrindo seus pontos turísticos de várias períodos históricos, desde o MAR (Museu de Arte do Rio) até o Museu do Amanhã, passando pelo que já foi o maior arranha-céu do Brasil, o edifício A Noite, que deve ser reformado. O VLT leva milhares de pessoas sem barulho pela avenida Rio Branco até a rodoviária. O porto ganhou um novo layout e respiro. O Valongo, a Pedra do Sal e outros patrimônios culturais cariocas ganharam visibilidade. Apesar das opiniões em contrário, o fim do megaviaduto não significou o fim da circulação pela orla.
Sim, o Porto Maravilha precisou usar dinheiro da Caixa Econômica Federal para existir, a gestão privada não deu certo, mas há que se saudar a coragem de demolir uma estrutura que durante décadas jogou sua sombra sobre a cidade, matou o Mercado Municipal da praça XV e cindiu o centro, repetindo e aprofundando o que já havia acontecido com a inauguração da avenida Presidente Vargas na década de 1940.
Falando em efemérides, se o Rio comemora os 10 anos da demolição da Perimetral, São Paulo não tem razões para se gabar dos 50 anos da construção do Minhocão sem ter resolvido o problema de uma das nossas maiores cicatrizes urbanas.
O lindo uso que as pessoas fazem do elevado aos finais de semana mostra um desejo de reocupação dos espaços públicos de São Paulo. Mas a ausência de uma discussão inteligente e corajosa nos leva de volta à década de 1970. Não é possível que não haja projetos que retirem a estrutura e mantenham a esperança de um lugar de encontros e fruição no centro. O Minhocão esconde a praça Marechal Deodoro, mantém sombra e umidade eternas sobre os negócios que minguam, maltrata os ouvidos e pulmões dos moradores. Se vamos olhar para frente, precisamos olhar para o nível do chão.
Surpreendentemente, a prefeitura anunciou o plano de estudar uma linha de VLT no centro. Apesar de parecer mais um balão de ensaio de fim de mandato, pode até ajudar a discutir o fim do Minhocão, oferecendo alternativas de circulação que combinam com a manutenção da vitalidade urbana.
Vale a pena olhar para o aniversário de demolição da Perimetral não só como um marco do urbanismo brasileiro, mas como uma inspiração. Viadutos podem vir abaixo sem que isso decrete o fim das cidades, ao contrário. Aconteceu em Portland, São Francisco, Boston e na Coreia do Sul, com o rei dos viadutos, o Cheonggyecheon. Em pleno centro de Seul, a demolição deu lugar a um espaço público de qualidade, diminuiu a temperatura média e hoje os críticos se calam diante do colapso que não houve.
O fim dos viadutos, se bem planejado, pode marcar o início de novas possibilidades econômicas e sociais. O Minhocão está na fila.
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