Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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A participação voluntária em conselhos: uma experiência pessoal

Criados para legitimar decisões, eles são cansativos e pouco eficazes

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Há conselhos de todos os tipos e tamanhos em São Paulo.

São 55 conselhos e órgãos semelhantes, lidando com temas que vão desde a saúde e a educação até direitos humanos e igualdade de gênero, passando por proteção ao patrimônio e meio ambiente. São milhares de pessoas participando. Só o Conselho Participativo, o maior, tem 540 conselheiros, eleitos diretamente nas subprefeituras.

Tenho trafegado por alguns desses conselhos nos últimos dez anos na área de transportes e política urbana. São horas e horas de reuniões, num trabalho voluntário que parece atender difusamente à vontade de entender e participar da gestão da cidade onde vivo. Há dias em que dá para sonhar com um futuro melhor. Há outros, porém, em que o resultado desse tempo investido é apenas frustrante.

Por que participar dos conselhos?

Os conselhos podem ser lugares onde circula informação útil e interessante. No espaço de pouco tempo, é possível aprender e opinar sobre o tamanho da frota de ônibus, o futuro do parque Dom Pedro 2° ou sobre a troca das pedras portuguesas do centro de São Paulo.

Como cidadão, é um prazer participar de grupos tão heterogêneos. Há representantes de movimentos sociais, ciclistas, pessoas com necessidades especiais ou proprietários de frotas de ônibus. É uma experiência transcendente ouvir pessoas de origens, etnias, classes sociais e interesses tão distintos contando sobre seu ponto de vista, num exercício de empatia raro que permite furar um pouco as nossas bolhas de opiniões semelhantes.

Finalmente, em alguns conselhos há discussões relevantes. O Conselho Participativo por exemplo, ganhou a incumbência de votar na alocação de recursos em suas regiões, o que aumenta a legitimidade das obras.

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Calçadão com pedras portuguesas no centro histórico de São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

O que daria para melhorar

É notável a diferença entre os conselhos que funcionam e os que não funcionam. Nestes o otimismo é substituído por um antagonismo palpável entre os gestores públicos e os conselheiros. Há "questões de ordem" pululando antes mesmo de começarem as reuniões. Quando alguma decisão controversa é tomada, não é incomum que o tema seja retomado através do Ministério Público. É a famosa judicialização, que acomete projetos de todos os tipos. Recentemente foi suspenso o início da operação de uma linha de barco para levar passageiros de um lado a outro da Billings, um tema que nunca foi discutido no Conselho de Transportes, mas que já foi judicializado.

Parte da culpa, diga-se, muitas vezes é dos próprios gestores, que não fazem questão de fornecer diagnósticos claros dos problemas antes de propor suas soluções. É o que aconteceu, por exemplo, durante a discussão do zoneamento, que foi mais discutida nos gabinetes que nas reuniões formais.

A falta de liderança e o medo de tomar decisões

É possível constatar o desprestígio crescente de um conselho quando um secretário municipal ou um subprefeito deixa de frequentar as reuniões, o que abre espaço para uma das piores chagas da gestão pública: o medo.

Sem a presença do líder, os funcionários, muitas vezes técnicos competentes, não têm nenhum incentivo para serem criativos, atacar problemas e acatar sugestões. Assim, as reuniões se tornam claramente burocráticas. E nós brasileiros parecemos amar uma burocracia.

Burocratização

Gostamos tanto de cláusulas, parágrafos e minúcias legais que gastamos mais tempo discutindo o funcionamento dos conselhos do que qualquer outro assunto. Há anos, no recém-fundado Conselho Participativo, fomos instados a discutir o regimento interno durante semanas de discussões acaloradas e inúteis. Produzimos uma quimera cheia de regras e exceções, banindo o bom senso e idolatrando atas. Aliás, a frase "que isso conste em ata" é um brado comum nas reuniões, onde todos querem falar mas poucos estão dispostos a ouvir.

O mito da audiência pública

As audiências públicas são outro momento consagrado da gestão participativa. É o momento de sacramentar planos através da "participação popular", como o que aconteceu no ano passado, a discussão sobre o fechamento de algumas ruas da Liberdade para carros aos domingos.

Pedestres passeiam no bairro da Liberdade no primeiro domingo em que ruas foram fechadas aos veículos - Eduardo Knapp - 1°.out.23/Folhapress

Um técnico da prefeitura apresenta uma proposta. Pessoas se apressam em se inscrever. A primeira pessoa gasta seus 3 minutos de fala para reclamar que 3 minutos de fala é muito pouco tempo. Alguém aponta o dedo para a equipe de gestão. Funcionários tentam seguir com o rito, sabendo que tudo o que não for feito de acordo com a lei será contestado. Uma enfermeira questiona como será o acesso ao hospital. Comerciantes querem mais vagas. Ambulantes querem existir. Moradores querem chegar e sair de casa. Alguém prega por banheiros públicos. Ao final de horas, o cansaço é geral. Nada vai acontecer até que alguém "sistematize as contribuições". É a senha para dizer que a audiência acabou.

Sobreposição de conselhos

Com tantos conselhos sendo criados, poucos são extintos. Isso aumenta a sobreposição de temas sendo tratados e aumenta a complexidade. Existe uma área na prefeitura que organiza os conselhos e até treina funcionários para conduzirem reuniões, mas parece que é sempre mais fácil deixar como está para não dar a impressão de que direitos estão sendo cortados.

Enquanto as discussões estão rolando, a cidade vai sendo construída, destruída e reconstruída.

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