Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Michael França

Desafios nas interações humanas contemporâneas aumentaram

Nunca estivemos tão conectados uns com os outros e, simultaneamente, desconectados

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No caminho para encontrar Maria, Carlos responde a Lia em um aplicativo de relacionamento enquanto ignora as mensagens de Léa em outro. Maria gosta de Dito, mas sente medo de se aproximar. Paulo, um dos desamores de Maria, se despede carinhosamente de Léa e vai se aquecer com Juca. Dora, que amava Carlos, resolve dar um último beijo em Juca antes de Paulo chegar.

Podemos dizer que existe certa complexidade nas diversas formas de se relacionar, e que os desafios nas interações humanas contemporâneas aumentaram. As profundas transformações tecnológicas, econômicas e culturais impactaram o jeito como nos relacionamos uns com os outros e até com nós mesmos.

Algumas décadas atrás, enviar carta era um importante meio de interagir com as pessoas. Poucos tinham acesso a telefone. A televisão, em preto e branco, ajudava a criar e consolidar padrões de beleza e ideais para os relacionamentos.

Havia certa peregrinação até encontrar o tão sonhado amor. Passeios no parque, festas de formatura, almoços de domingo, encontros na igreja e algumas dezenas de bailes. O casamento consolidava a união. Ter filhos era barato. A gasolina não custava R$ 7.

Passado o fogo da paixão, os desentendimentos mais profundos começavam aparecer. Os casais que procuravam dialogar tinham maiores chances de contornar os desafios e continuar desfrutando da companhia um do outro.

Aqueles que não possuíam essa habilidade viviam em um relacionamento infeliz e, até mesmo, solitário. O comodismo e o custo de sair do casamento faziam com que muitos permanecessem nele. O divórcio poderia afetar os filhos. No final, o custo de tê-los acabava sendo maior do que era esperado.

Esses filhos crescem em um novo mundo. Com um celular na mão, a possibilidade para alcançar novas conexões é muito maior do que no tempo de seus pais. Porém, quantidade não é sinônimo de qualidade. Os laços afetivos ficaram mais frágeis. Existe um desejo conflitante entre querer maior aproximação e, ao mesmo tempo, o medo tanto de perder a liberdade quanto de uma possível frustação em um cenário repleto de relações descartáveis.

O amor líquido, expressão usada pelo sociólogo Zygmunt Bauman para descrever a fragilidade das relações humanas atuais, traz diversas repercussões socioeconômicas. Os números de divórcios estão aumentando, os de casamentos diminuindo e, assim, a proporção de solteirões está crescendo em vários lugares do mundo. No setor imobiliário, por exemplo, é crescente a demanda por habitações voltadas para uma única pessoa.

Entretanto, como seres humanos, precisamos de relacionamentos profundos e significativos para avançar como indivíduos e também como suporte para ajudar a enfrentar os desafios da vida diária. Em sua ausência, podemos ficar presos em um mundo cheio de contatos, mas sem ninguém para recorrer em momentos difíceis.

Nesse contexto, deve-se pontuar que estar sozinho e se sentir solitário são duas condições distintas. Apesar disso, existe certo anseio social por uma ressignificação nos relacionamentos humanos contemporâneos.

Enquanto isso, a solidão está atormentando milhares de almas perdidas em uma sociedade marcada pelas conexões. Como humanidade, nunca estivemos tão conectados uns com os outros e, simultaneamente, desconectados.

O título é uma homenagem à música "A flor da idade", de Chico Buarque, interpretada conjuntamente com Maria Bethânia. Essa coluna e a anterior foram pensadas no sentido de gerar reflexões em um mês marcado pela importante campanha do Setembro Amarelo.

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