Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Michael França

Pastéis de vento da política

Regularmente elegemos candidatos com dinheiro, mas sem projetos nem preparo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Mais uma eleição se aproxima e com ela o esforço de alguns políticos, certas vezes até cômico, de passar uma imagem de que eles são "gente como a gente". Na tentativa de se aproximarem do povo e ganharem votos, tudo é possível no jogo de cena da política.

Alguns optam por comer os clássicos pastéis na feira. Porém, é preciso ter muito cuidado. Uma mordida mal dada costuma gerar aqueles fios indesejados de queijo derretido que podem comprometer o visual na hora da foto. Outros inovaram na última eleição. O tradicionalíssimo pastel foi substituído por pão com leite condensado, e o formalismo das roupas sociais deu lugar às camisas de futebol.

Aparições com carro popular também são um expediente recorrentemente usado para chegar aos corações dos eleitores. Contudo, o Nordeste não pode ficar de fora. Para essa região, o usual é se vestir de cangaceiro e montar em um cavalo.

0
Cédulas de real São Paulo - Gabriel Cabral - 21.fev.2019/Folhapress

Essas e outras encenações fazem das eleições um show à parte. Vários progressistas que amam falar pelos pobres, mas que sempre viveram bem longe da pobreza, vão para favelas, abraçam moradores e estreitam laços com movimentos sociais. Muitos candidatos de direita preferem ficar longe do calor humano da periferia e capricham nos investimentos em propaganda para deixá-los com uma imagem mais popular.

Nos bastidores do espetáculo, esconde-se o fato que muitos deles não são tão gente como a gente. Vários políticos possuem uma riqueza que contrasta consideravelmente com a realidade da população brasileira.

Em 2018, no que diz respeito aos dois principais nomes que disputarão a Presidência, Bolsonaro declarou ter um patrimônio de cerca de R$ 2 milhões, enquanto Lula, de aproximadamente R$ 8 milhões. Esse padrão se mantém quando olhamos para o patrimônio médio declarado por senadores, deputados federais e estaduais. Ou seja, se o intuito fosse somente aproximar-se do povo, a maioria precisaria comer muito mais pastéis na feira.

Apesar disso, em determinados contextos, a riqueza acumulada pode sinalizar boa capacidade de gestão e articulação política. Especialmente quando se trata de candidatos que tiveram origem em ambientes desfavorecidos. Também há diversos casos em que, curiosamente, os patrimônios dos políticos e de suas famílias subiram de forma exponencial depois que entraram para vida pública.

Contudo, ao contrário do que muitos acreditam, existem bons candidatos em todas as classes sociais. O desafio é desenvolver mecanismos para limitar a ascensão dos ruins e aumentar as chances daqueles que nasceram em famílias de baixa renda. De certa forma, a maneira como a disputa política ocorre favorece que muitos candidatos endinheirados, mas tão vazios quanto alguns pastéis de vento, cheguem e permaneçam no poder.

Existem vários fatores que cooperam para isso. Dentre eles, tem-se que um dos objetivos dos partidos é procurar maximizar a quantidade de candidatos eleitos. Na hora de distribuir recursos das campanhas, os mais competitivos tendem a receber maior investimento. No entanto, parte da competitividade está associada ao nível de visibilidade e conexões políticas do candidato. Por sua vez, isso tende a estar correlacionado com classe social, gênero e raça.

Desse modo, regulamente elegemos candidatos que têm dinheiro, mas não possuem bons projetos nem preparo para encarar os profundos problemas sociais do Brasil. Mesmo assim, altos investimentos em propaganda fazem com que vários deles consigam levantar suspiros e arrebatar milhares de corações.

Para entrar no clima, acho que não tem nada mais "gente como a gente" do que a arte popular. Então, dado que ainda não sei se a carreira política vai me chamar no futuro, a homenagem desta coluna vai para a música "Amor de Matar", composta por Antônio Portugal e João Mendes, interpretada pelo grupo Art Popular.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.