Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

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Michael França

O custo das crianças indesejadas

Filho indesejado traz consequências para o desenvolvimento da criança e da família

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Planejamento familiar é um termo que saiu de moda em alguns países. Houve uma associação a controles populacionais coercitivos. Em seu lugar, começaram-se a usar expressões como "saúde sexual e reprodutiva" e "planejamento familiar voluntário".Faz sentido. Esse é um tema sensível. Muitos não estão dispostos a tratá-lo com a profundidade que merece.

É preciso ter relativo cuidado na maneira de se expressar no assunto e uma pitada de coragem. Apesar disso, existem alguns números que permitem afirmar, de forma objetiva, que ainda há considerável negligência com a saúde reprodutiva das mulheres no Brasil. Especialmente a das mais pobres.

Em 1991, enquanto as de alta renda tinham uma taxa de fecundidade de cerca de 1,2, esse número entre as de baixa renda foi de 5,5. Houve um avanço nas últimas décadas. No entanto, insuficiente para garantir que todas tenham assegurado seus direitos reprodutivos. Em 2015, a taxa de fecundidade das mulheres no primeiro quintil de renda caiu para 2,9. Porém continuou superior à de 0,77 verificada entre as mulheres de renda mais elevada. Muitas dessas gravidezes não foram planejadas. Várias foram indesejadas.

Um relatório de 2009 da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher mostrou que não houve planejamento em 46% das gravidezes. Aproximadamente 18% não foram desejadas. Entre as adolescentes, o quadro foi pior. Em 2006, de acordo com um estudo do Fundo de População das Nações Unidas, cerca de 60% das meninas não desejavam ter engravidado.

Filho indesejados trazem várias consequências para o desenvolvimento não só da criança mas de toda a família. Geralmente eles não são bem tratados pelos próprios pais. Essas crianças tendem a sofrer maiores traumas oriundos de suas famílias e um alto impacto psicológico com a falta de acolhimento. Várias delas acabam no mundo do crime. Outras começam a ter comportamentos autodestrutivos.

E, para complementar o cenário hostil, tem-se que as gestações indesejadas também implicam abortos, espontâneos ou não, natimortos e mortes infantis e maternas.

Milhares de famílias não têm acesso a meios seguros para evitar as crianças indesejadas. Tal fato diminui as possibilidades de elas construírem uma vida melhor. Cada filho adicional afeta as chances não somente de os pais desfavorecidos atingirem melhores condições socioeconômicas como de cada integrante familiar.

O acesso a uma educação sexual compreensiva e a meios de contracepção contribui para diminuir as gestações na adolescência e, desse modo, mais garotas e garotos permanecem nas escolas. Cada ano adicional que os jovens ficam estudando tende a aumentar substancialmente seus ganhos de renda.

Adicionalmente, a experiência e o conhecimento acumulados podem se refletir em uma melhor paternidade e maternidade futuras. Assim, seus eventuais filhos terão maiores oportunidades de prosperar. Isso ajuda não só a família como a economia.

A mobilidade social brasileira é muito baixa. A maior taxa de fecundidade entre as mulheres mais pobres, em conjunção com o fato de elas terem filhos mais jovens, tende a se refletir, na ausência de políticas que promovam melhores oportunidades, em maior taxa de crescimento dos mais pobres.

Desse modo, embora, em certos aspectos, planejamento familiar ainda seja um tema vergonhosamente atrasado e pouco discutido em vários cantos do Brasil, avançar na pauta representa um começo bem-vindo para qualquer governo que queira encarar de frente um dos meios que contribuem para a reprodução estrutural da pobreza.


Este texto é uma homenagem à música "Força Estranha", de Caetano Veloso, interpretada por Gal Costa.

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