Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mirian Goldenberg

Em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Por que algumas mulheres são tão destrutivas, invejosas e competitivas com as próprias mulheres?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Inúmeras pesquisas mostram que xingar faz bem à saúde física e mental: aumenta a resistência à dor, melhora a força física, e ainda pode ser um sinal de inteligência e criatividade.

Uma das nossas válvulas de escape tem sido xingar os psicopatas, genocidas, fascistas, sádicos, monstros, desumanos, energúmenos, imbecis, bandidos, vagabundos, covardes e outros palavrões impublicáveis.

Mas quero compartilhar uma dúvida com vocês: em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Discussão entre árbrita e esportista, durante Olimpíada de Tóquio, em uma quadra de vôlei de areia
Discussão entre árbrita e esportista, durante Olimpíada de Tóquio - Daniel Leal-Olivas/AFP

Sororidade, encontrei no Google, "é o comportamento de não julgar outras mulheres e ouvir com respeito as suas reivindicações. É ter empatia e se colocar no lugar das outras mulheres. É uma relação de afeto e amizade entre mulheres, assemelhando-se àquela entre irmãs. É uma união de mulheres que compartilham os mesmos ideais e propósitos, normalmente de teor feminista, sendo caracterizada pelo apoio mútuo. A palavra sororidade deriva da junção da palavra ‘soror,oris’, com o sentido de irmã, e do sufixo - dade, que designa um estado. Portanto, sororidade indica ‘condição ou qualidade de irmã’".

Eis o caso que gerou a dúvida. Fui convidada para um debate sobre a violência física e psicológica contra as mulheres. Uma das participantes foi muito agressiva e buscou desqualificar a pesquisa de uma professora. Ficamos revoltadas, mas a organizadora do debate preferiu não responder na hora a agressão para não desvirtuar o nosso propósito: combater a violência que as brasileiras sofrem dentro das próprias casas, e não praticar violência verbal contra as mulheres.

No final, a organizadora disse: "Estou triste e chocada com a situação. Achava que ela era uma profissional séria, mas a máscara caiu. Ela é uma escrota; precisa humilhar, inferiorizar, diminuir, desqualificar, destruir as outras mulheres para se sentir poderosa e superior. É exatamente por esse tipo de comportamento que algumas mulheres são consideradas as piores rivais e inimigas das outras mulheres".

A professora que foi agredida reagiu: "Não sou de brigar, nem de xingar ninguém. Mas hoje senti tanta raiva que tive vontade de gritar: ‘Você não tem o direito de ser tão arrogante e agressiva. Você é uma vaca nojenta’. Mas pensei: ‘Será que eu estaria ofendendo a vaca se xingasse uma mulher tão escrota de vaca nojenta? Será que preciso ter empatia com a verdadeira vaca que nunca foi escrota comigo? E a tal da vacaridade?’"

Demos muitas risadas da "tal da vacaridade" e concordamos com ela, pois convivemos com incontáveis mulheres corajosas, solidárias e generosas, mas, infelizmente, conhecemos algumas que são "vacas nojentas": violentas, cruéis, oportunistas, competitivas, egoístas, invejosas, escrotas.

Eis a dúvida: em tempos de sororidade, uma mulher pode xingar outra mulher?

Se não, como expressar toda a raiva que sentimos de mulheres que defendem a sororidade no discurso, mas na prática sentem um prazer sádico de diminuir, humilhar e agredir outras mulheres? Será que elas não sabem que sororidade é o oposto de rivalidade, inveja e competição? Afinal, de que adianta termos um discurso libertário se os comportamentos efetivos são o oposto do que defendemos?

Todas as vezes que eu tenho vontade de xingar uma mulher é porque testemunhei o comportamento destrutivo, competitivo e agressivo dela com outras mulheres. E sinto uma raiva maior ainda por isso ter sido feito por uma mulher que defende a sororidade.

Paradoxalmente, são essas mulheres que me ensinaram o verdadeiro significado da palavra sororidade. É justamente por elas serem tão mesquinhas, invejosas e desprezíveis que luto incansavelmente para ser o oposto do que elas são. Elas me desafiam a ser cada vez mais focada no meu propósito de vida: encontrar os caminhos de libertação das nossas prisões externas e internas. E me estimulam a ser cada vez mais parceira, companheira, amiga e "irmã" das mulheres. Com exceção, é lógico, das mulheres que são rivais e inimigas das próprias mulheres.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.