Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Mirian Goldenberg
Descrição de chapéu Corpo

Me deixem envelhecer em paz!

Velhofobia e a prisão dos corpos femininos

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Na semana passada, uma jornalista me perguntou: "O que você achou do rosto inchado da Madonna no Grammy Awards 2023? Você acha que ela tem pânico de envelhecer e é escrava da ditadura da juventude? Ou que ela continua transgressora e não liga para a opinião dos outros? Será que ela fez de propósito para lacrar e provocar polêmica? Ela só tem 64 anos, por que está tão monstruosa, irreconhecível e deformada? Por que ela faz tantas loucuras e não aceita o próprio envelhecimento? Sou tão fã, não esperava isso da Madonna".

A própria Madonna, que foi criticada e massacrada no mundo inteiro, já respondeu dizendo que qualquer pessoa ficaria horrorosa se tirassem uma foto dela com uma lente X numa distância Z e ângulo Y.

Para mim não importa se a lente era assim ou assado, se foi o ângulo da foto, se ela está realmente com esse rosto nem a quantidade de procedimentos que a Madonna fez ou ainda irá fazer durante a vida.

Madonna em imagem de seu livro 'Sex'
Madonna em imagem de seu livro 'Sex' - Reprodução

Lógico que posso estranhar, não gostar, achar melhor que as mulheres não façam tantas loucuras para não envelhecer em uma cultura onde impera uma verdadeira ditadura da juventude.

É exatamente por constatar que existe um enorme sofrimento com o pânico da velhice que pesquiso e escrevo sobre envelhecimento, liberdade e felicidade. Há algumas décadas, criei o conceito de que, no Brasil, o corpo jovem é um verdadeiro capital, especialmente para as mulheres.

Sei lá o que a Madonna fez com o seu corpo, só sei que me incomodou profundamente o fato de tantas mulheres massacrarem a Madonna pelo seu rosto "deformado, irreconhecível, monstruoso, horroroso, inchado" e coisas muito piores.

Eu também me sinto extremamente criticada e massacrada, principalmente pelas mulheres, apesar de nunca ter feito qualquer procedimento, cirurgia, botox, preenchimento etc. Sou patrulhada por algumas mulheres para me "cuidar mais", para não ficar uma velha ridícula e decrépita, para corrigir as pálpebras caídas, levantar os peitos, dar uma puxadinha no pescoço, pintar o cabelo ou, ao contrário, deixar os fios brancos.

Eu consigo enxergar três caminhos para experimentar o meu próprio envelhecimento:

a velhofobia — o pânico de envelhecer, o olhar negativo que só enxerga feiura, doença, decadência e perda na velhice;

a Velheuforia — a ideia de que posso fazer todas as loucuras que quiser porque já estou velha, tudo o que nunca fiz antes, do tipo é agora ou nunca mais;

a Velhautonomia — a sensação de que, pela primeira vez na vida, sou realmente livre para ser eu mesma, sem me preocupar com a opinião e julgamento dos outros.

Em maior ou menor grau, convivo com essas três sensações dentro de mim.

Então, eu posso ser libertária e independente em muitos aspectos da minha vida e, ao mesmo tempo, me sentir prisioneira da ditadura da juventude, fazendo loucuras para não envelhecer. Posso ligar o foda-se para a opinião dos outros e, simultaneamente, ter vergonha de ir à praia de biquíni.

Posso ser muito feliz no amor e no trabalho e, também, sofrer com o pescoço horroroso e com os quilos a mais.

Posso ser uma mulher livre, autônoma e independente e, paradoxalmente, prisioneira dos preconceitos e padrões de beleza, juventude e corpo que me tornam refém do reconhecimento e da aprovação dos outros.

Em vez da conjunção "ou", prefiro usar o "e".

Enxergar e compreender meus próprios conflitos e ambiguidades me ajudam a parar de julgar e condenar outras mulheres. Em vez de tentar me aprisionar em um lado ou de outro, prefiro compreender e aceitar que sou (somos) muito mais complexa e contraditória.

Para mim, os piores venenos para a liberdade, para a felicidade e para a beleza da maturidade são a comparação, a inveja e a vergonha de ser eu mesma. Consigo enxergar que eu sou, e cada mulher também é, única, singular e incomparável.

Como canta Caetano Veloso: "Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Ninguém sabe a minha dor (e delícia?) de envelhecer em uma cultura em que impera a ditadura da juventude, da beleza e da magreza.

Me deixem envelhecer em paz, do meu jeitinho: sendo simplesmente Mirian!

Ninguém sabe a dor e a delícia de envelhecer sendo Madonna.

Madonna vai envelhecer do jeito que sempre viveu: sendo Madonna!

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