Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Descrição de chapéu Corpo Todas violência

'Gentileza gera gentileza', assim pregou o profeta

Por que os brasileiros estão cada vez mais agressivos, grosseiros e desrespeitosos?

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"Você acha que os brasileiros melhoraram ou pioraram após a pandemia?", uma jornalista me perguntou na semana passada. Não sei se estão melhores ou piores, ou se sempre foram assim, mas os casos de violência, intolerância e desrespeito aumentaram significativamente nos últimos tempos. Gritos, xingamentos, agressões, grosserias, humilhações públicas fazem parte do meu cotidiano na cidade do Rio de Janeiro. Na verdade, sempre fizeram, mas agora está muito pior.

Jogo de altinho na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro - Luciana Whitaker - 26.dez.2012/Folhapress

Cena 1: "As donas do parquinho"

Há alguns anos faço exercícios na academia da terceira idade, em um parquinho perto de onde eu moro. É uma alegria chegar cedinho e cumprimentar homens e mulheres, em geral de mais de 70 anos, que já estão fazendo os exercícios. Todos respondem com um sorriso amigável.

No sábado passado fui ao parquinho às 11h. Assim que cheguei, dei "bom dia" para duas mulheres que estavam conversando. Grosseiramente, as duas me ignoraram e viraram a cara sem responder. Suas bolsas, casacos e sacolas do supermercado estavam penduradas nos aparelhos, o que me impedia de fazer os exercícios. Era como se o parquinho fosse propriedade privada das duas e ninguém mais tivesse o direito de fazer exercício lá.

Depois de esperar um tempão, perguntei gentilmente se elas poderiam tirar as sacolas dos aparelhos para eu fazer os exercícios. Elas ficaram com tanta raiva que jogaram tudo no chão e disseram um monte de palavrões: "Saco, merda, caralho". Meu marido me alertou: "Cuidado, elas são encrenqueiras, barraqueiras, estão loucas para arrumar uma confusão, quase jogaram as sacolas em você". Desde então, estou fazendo meus exercícios no fim da tarde para evitar a grosseria da dupla raivosa.

Cena 2: "Foi mal, tia"

Depois dos exercícios no parquinho, costumo dar uma caminhada na areia da praia, hábito que tenho desde criança, quando morava em Santos, e que mantive quando me mudei para a cidade do Rio de Janeiro. Mas ultimamente está praticamente impossível caminhar na areia: as rodas de jovens jogando altinha ocupam todo o espaço da praia. Altinha é um jogo com uma bola de futebol que reúne quatro ou cinco jovens em uma roda. A bola não pode cair e, para mantê-la no ar, vale usar a cabeça, os pés, os joelhos, as coxas, o peito, até mesmo as costas. Só não pode usar as mãos. Até o verão passado, poucas garotas entravam nas rodas de altinha. Agora, em quase todas, elas estão presentes.

No mesmo sábado em que fui agredida pelas grosseiras do parquinho, fui caminhar na areia pertinho do mar. Recebi uma bolada no rosto tão forte que quebrou meus óculos e machucou meu nariz. Atordoada, sentei na areia. O grupo de quatro rapazes e uma garota que estavam jogando deram gargalhadas da situação. A garota que me acertou com a bola gritou: "Foi mal, tia". Perguntei: "E se o vidro tivesse entrado nos meus olhos?". Ela deu uma risada sem graça e voltou a jogar como se nada tivesse acontecido.

Cena 3: "Em briga de marido e mulher, não se mete a colher?"

A violência física, verbal e psicológica não é novidade, inclusive dentro das nossas próprias casas e famílias. Desde que me mudei de São Paulo para o Rio de Janeiro, em 1978, já convivi com diferentes tipos de vizinhos: um rapaz que tocava bateria o dia inteiro; um aposentado que fez uma obra que durou mais de um ano; e uma viúva que tinha dois cachorros que latiam sem parar. Mas o pior de todos foi um homem que brigava todos os dias com a esposa. Eu ficava assustada com os gritos: "Porra, caralho, puta que o pariu. Vou te matar sua vaca nojenta, sua puta escrota". Fui parar na delegacia, junto com outros moradores do prédio, quando ele foi denunciado por espancar a esposa que estava grávida de seis meses.

No último ano, tenho testemunhado muitas brigas de casais em espaços públicos. São gritarias, agressões e xingamentos nas praias, ruas, supermercados, lojas, restaurantes etc. O que fazer? Devo ou não meter a colher?

Tenho o hábito de dizer para as pessoas que encontro, conhecidas ou não, algumas palavrinhas mágicas combinadas com um sorriso: "Bom dia", "Por favor", "Desculpe", "Muito obrigada". Nossa vida seria muito mais prazerosa, bonita, alegre e saudável se as pessoas fossem um pouco mais gentis, atenciosas, pacientes, respeitosas e agradecidas, não é verdade?

Procuro, dentro e fora de casa, seguir as lições de José Datrino (1917-1996), mais conhecido como o Profeta Gentileza. Ele pregava que precisamos ser mais gentis como um antídoto à brutalidade e à violência. Para o profeta, a gentileza seria o melhor remédio para todos os males. Afinal, "gentileza gera gentileza".

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