Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Descrição de chapéu Corpo Todas dia das mães

Por que Estelinha, 94, foi xingada de velha ridícula e maluca?

As próprias mulheres reproduzem estigmas associados ao envelhecimento feminino

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Estelinha Bezerra nasceu no dia 5 de janeiro de 1930, no município de Jaguaribe, no Ceará. Casou-se em 1950 e, em 1979, veio morar em São Paulo em busca de melhores condições de vida para a família, pois "a cidade era um celeiro de empregos".

Estelinha passou por muitos obstáculos ao longo da vida, especialmente a perda de cinco filhos: um na gestação, dois ainda bebês e dois adultos, um com 39 anos e outro com 62 anos. "Eles levaram um pedaço de mim com eles."

Estelinha Bezerra, 94, no Dia das Mães de 2024 (12.mai)
Estelinha Bezerra, 94, no Dia das Mães de 2024 (12.mai) - Josafá Vilarouca

"Meu pai se enforcou em uma árvore quando eu tinha apenas dois anos. E minha mãe, sem marido, criou as quatro filhas com valores muito claros: respeito, verdade, bondade. Quando casei, fiz por amor. Meu marido sempre foi pouco presente na educação dos filhos. Eu cuidava de absolutamente tudo relacionado à casa e aos filhos. Me tornei o general da casa, eu era a líder da tropa toda. Tive apenas um mês e 19 dias de estudo e, por ter estudado tão pouco, fazia questão que meus filhos estudassem".

Viúva desde 2003, Estelinha teve 17 filhos. Ela é avó de 28 netos, bisavó de 20 bisnetos e tataravó de uma menina. Em 2019, Estelinha teve um AVC e, em 2020, teve Covid e ficou entre a vida e a morte.

"Com a morte do meu marido, conheci uma depressão severa. Na pandemia, passei 14 dias, sozinha, em um quarto de hospital, com poucas chances de sobreviver. Foi a pior doença que já tive na vida e não desejo o que passei para ninguém. Só chorava e passei por uma depressão muito forte."

Em junho de 2023, Estelinha teve um AVC isquêmico.

"Por muito pouco não perdi a voz para sempre. Voltei para casa depois de uma intervenção muito delicada. Em julho de 2023, voltei à UTI com uma embolia pulmonar cuja única opção de tratamento tinha um altíssimo risco. O que fiz? Arrisquei e optei por viver."

Foi então que o filho caçula, Josafá, de 50 anos, teve a ideia de gravar as histórias da mãe para que seus conselhos e vontade de viver ficassem guardados para sempre.

O primeiro vídeo de Estelinha no Instagram foi a resposta a uma pergunta de Josafá: "Agora que recuperou a fala e está viva, o que a senhora nunca viveu e gostaria de viver?". "Viajar e comer filé mignon e lagosta", ela respondeu.

Assim, Estelinha iniciou uma carreira que jamais imaginou: tornou-se uma celebridade da internet. Em um ano, ela já ganhou mais de meio milhão de fãs e admiradoras nas redes sociais.

"Quando a gente está com depressão, qualquer coisa vira motivo de tristeza. Agora estou alegre e satisfeita. Voltei a ter vontade de sair, de ver as pessoas, de conversar e acho que a internet me ajudou. As redes sociais se tornaram uma alegria para mim."

Algumas de suas falas viralizaram: "Quem manda em mim sou eu". "Homem nenhum me governa." "Mulher para ser elegante precisa gostar dela mesma." "Vaidade não é pecado."

"Fico contente de ter meus seguidores acompanhando a minha vida. É um sentimento maravilhoso ser tão querida, todo mundo gostar de mim. Queria trazer todos para a minha casa, mas acho que não caberia aqui."

No dia 27 de abril de 2024, postei no Instagram, junto com Estelinha, um vídeo com o título: "Autoestima e longevidade: eu sem batom não sou ninguém". Até o momento, o vídeo teve mais de 1 milhão e 800 mil visualizações e mais de 7.000 comentários.

Estelinha Bezerra, 94, com seu filho caçula, Josafá, 50, no Dia das Mães de 2024 (12.mai)
Estelinha Bezerra, 94, com seu filho caçula, Josafá, 50, no Dia das Mães de 2024 (12.mai) - Josafá Vilarouca

Entre incontáveis comentários elogiosos, duas críticas revelaram que as próprias mulheres reproduzem e fortalecem os estereótipos, estigmas e preconceitos associados ao envelhecimento feminino. A primeira dizia: "Velha ridícula, com essa boca vermelha, é o fim. Não se enxerga não? Vai para casa!". E a outra: "Até pode usar o batom. Mas essa cor ficou ridícula. Não combina com sua idade. Ou vai querer usar também biquíni fio dental? Tá maluca?".

Estelinha respondeu às críticas com muito humor e serenidade. Disse que vai continuar usando batom vermelho porque "batom não é maquiagem: é roupa!". E, mais ainda, que o batom vermelho é um símbolo da sua autonomia, liberdade e alegria de viver.

"Aos 49 anos, quando cheguei a São Paulo, ganhei o meu primeiro batom dos meus filhos, no Dia das Mães. Foi o primeiro presente que ganhei na vida. Ganhei a fama de rainha do batom. Adoro batom e uso todo dia. E tem que ser vermelho. Eu sem batom não sou ninguém."

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