Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

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Descrição de chapéu Corpo Todas

Não se nasce Maysa: torna-se Maysa

Como a imprensa massacrou a 'musa da fossa': 'Ela é uma coitada, uma infeliz, uma gorda, uma alcoólatra'

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No dia 13 de março de 2023, recebi uma mensagem no meu WhatsApp:

"Oi Mirian, aqui é Helo Buarque. Não sei se você já sabe, estou no Projeto Maysa Matarazzo com o Gringo Cardia. Você escreve um texto para o livro? Seria lindo! São dez laudas. Diz SIIIIM! Beijo enorme, Helo."

Resolvi pensar um pouco antes de responder. Afinal, o que eu poderia escrever sobre a "musa da fossa"?

Maysa nasceu em 6 de junho de 1936 e morreu, aos 40 anos, em um acidente de carro em 22 de janeiro de 1977. Como seria Maysa aos 88 anos?

Em sua última entrevista, em 10 de dezembro de 1976, ela afirmou: "Meu nome é Maysa Figueira Monjardim. Já houve uma época que ele foi Maysa Matarazzo para alguns. Para mim, sempre foi Maysa".

Capa do disco Maysa Internacional - Divulgação

Duas décadas antes, quando um jornalista perguntou por que ela não assinava o sobrenome Matarazzo, Maysa respondeu:

"Por que sou Maysa. Simplesmente Maysa".

Maysa falava abertamente sobre o casamento, aos 17 anos, com André Matarazzo, filho de um dos homens mais ricos e poderosos do Brasil; sobre a separação para seguir a carreira de cantora e os relacionamentos amorosos explosivos; sobre as traições e crises de ciúme.

Em uma entrevista para Clarice Lispector para a revista Manchete, em 1969, Maysa admitiu que sofria "uma barbaridade para entrar em cena".

"Talvez eu sentisse que fisicamente estava agredindo o público. Com a minha aparência. Eu era muito gorda".

Contou também os motivos da sua depressão.

"Não tive tempo de ser nem criança nem jovem: casei-me cedo".

Clarice destacou a coragem de Maysa para se reconstruir.

"Maysa —mulher sofrida e corajosa que encara os próprios erros— é um símbolo de ressurreição. Fortemente deprimida quando deixou de cantar, não se esperava que tivesse força suficiente para refazer sua vida. E eis que surge uma mulher mais do que bonita, e mais forte do que antes. Reconstruir-se torna-se a mais importante palavra entre todas. Quem já se ergueu várias vezes das cinzas sabe como é, ao mesmo tempo, difícil e possível a própria reconstrução".

De acordo com a biografia de Lira Neto, os primeiros registros de envolvimento de Maysa com a bebida datam de 1957.

"Para enfrentar o público e os microfones, ela começou a tomar sempre uma ou duas doses de uísque antes de entrar em cena. ‘No começo, a bebida funcionava para mim como uma espécie de muleta. Eu bebericava um pouquinho para criar coragem de entrar no palco’, diria ela... Muitas vezes ela chegou a cambalear diante das câmeras, durante a apresentação de seus programas... As duas doses de antes, ‘para dar coragem’, estavam sendo substituídas por litros de vodca e uísque".

Maysa registrou no seu diário no dia 5 de março de 1976: "A bebida me faz maltratar as pessoas a quem mais amo e a mim mesma, além de arruinar minha carreira de cantora e de artista".

Em julho de 1975, em entrevista para a revista Ele&Ela, explicou por que, em 1969, disse que: "Sei que estou me desorganizando para me organizar de novo".

"Essa declaração foi feita quando voltei ao Brasil, medrosa, assustadíssima, querendo fazer uma porção de coisas diferentes, como a preocupação de limpar aquela imagem da mulher bêbada, da mulher gorda... Eu acho que o que me fazia agressiva era a bebida... Sei que sou uma pessoa doente em relação à bebida, disso não tenho a menor dúvida. Sou uma pessoa que não pode se dar o luxo de beber dois uísques só e parar... Acho que aquela gordura toda era uma espécie de capa para me esconder, quase um invólucro... Na televisão, só deixava que a câmera me pegasse do pescoço para cima. Trinta e seis quilos a mais... foi uma época realmente terrível".

Quando o jornalista perguntou: "Você tentou o suicídio quantas vezes?", Maysa respondeu: "Várias". Ele insistiu: "E sem estar bêbada?". Ela disse: "Algumas vezes".

"Eu sei que não quero morrer. Mas acontece que isso tudo é uma espécie de apelo, de pedido de proteção. A gente, de repente, se vê só, se sente rejeitada".

A "musa da fossa" sofreu muito com o massacre da imprensa que lucrava com manchetes do tipo: "Maysa é uma coitada, uma infeliz, uma gorda, uma alcoólatra". Sua melhor resposta está na canção de sua autoria: "Resposta", de 1956.

"Só digo o que penso/ Só faço o que gosto/ E aquilo que creio/ E se alguém não quiser entender/ E falar, pois que fale/ Eu não vou me importar com a maldade de quem nada sabe/ E se alguém interessa saber/ Sou bem feliz assim/ Muito mais do que quem já falou ou vai falar de mim".

Afinal, parafraseando a célebre frase de Simone de Beauvoir, não se nasce Maysa: torna-se Maysa!

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