Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Parei de beber e não virei barata de sacristia', diz Barbara Gancia

Jornalista lança livro contando como superou o alcoolismo, que a fez perder um olho

A jornalista e apresentadora Barbara Gancia
A jornalista e apresentadora Barbara Gancia - Eduardo Knapp/Folhapress
Bruna Narcizo

“Eu fui convidada para ser jurada do concurso do Rei Momo de São Paulo. Só que tinha tomado todas”, diz a jornalista Barbara Gancia. “Começou a entrar um gordo, outro gordo e eu só querendo beber. Tentava puxar papo com o [então] prefeito [Mário Covas] e ele virava a cara. Chegou uma hora em que eu pensei: ‘Tô cagando pra essa merda aqui’. Peguei uma caneta Bic, coloquei bem dentro do ouvido do prefeito, levantei e fui embora.”

 

Na época, meados da década de 1980, ela trabalhava havia pouco tempo como colunista social na Folha e tinha sido convidada para ser jurada do concurso pelo atual candidato ao governo de SP João Doria, que era presidente da Paulistur —órgão da prefeitura para o desenvolvimento do turismo.

 

Ao chegar ao trabalho na segunda-feira seguinte, ela foi chamada à sala de Otavio Frias Filho (1957-2018), diretor de Redação da Folha, morto em 21 de agosto. “Ele me perguntou: ‘Onde você esteve no sábado?’. Mas eu não lembrava. Conforme ele foi falando, eu fui me recordando aos poucos. Aí ele disse: ‘De hoje em diante, quando você for convidada para alguma coisa pública, você estará indo pela Folha. Então, nunca mais faça isso’.”

 

Em 1981, alguns anos antes do episódio com Covas, o consumo excessivo de bebida alcoólica já tinha sido responsável por um acidente de carro em que Barbara perdeu a visão do olho direito. Mas a primeira internação para tratar da doença só veio no final da década.

 

E demorou mais de 20 anos, entre períodos de sobriedade e recaídas, até ela conseguir ficar limpa, em 2007. Barbara garante que já são 11 anos sem colocar uma gota de álcool na boca.

 

Essas e outras histórias são contadas no livro “A Saideira”, que a jornalista lança nesta segunda-feira (29), na livraria Saraiva do shopping Eldorado, em São Paulo. “O livro é uma tragicomédia. É a minha tentativa de dizer: ‘Eu parei de beber e consegui ser feliz. Eu parei e não virei barata de sacristia’”, diz ela aos risos na sala do apartamento em que mora com seus dois cachorros, Ziggy e Boris, no bairro Itaim Bibi, na capital paulista.

 

“Todo o mundo sempre me cobrava um livro. Mas eu não queria ficar me vangloriando da coisa. Aí fui fazer o [programa do canal GNT] Saia Justa e comecei a ver que ninguém defende causas no Brasil. O cantor mais popular brasileiro [Roberto Carlos] não tem perna e ele não fala, não diz, não divulga”.

 

Escrever o livro não foi fácil. “Demorei muito tempo porque eu não me lembrava das coisas que aconteceram. Tive que fazer uma reportagem. Entrevistar amigos e família e perguntar o que aconteceu naquela época”.

 

“Levei dois anos e pouco pra fazer esse livro porque eu me colocava no lugar de quem estaria lendo e pensava: ‘Meu Deus do céu. Se eu lesse um livro sobre essa pessoa, ia achar ela nojenta’.”

“As cicatrizes que eu carrego são imensas”, diz Barbara sobre o alcoolismo. “Nos últimos cinco anos em que eu bebi, a ressaca moral me derrubava de uma maneira que achava que iria cometer suicídio”, conta.

 

Certa vez, chegou a acordar deitada numa poça de sangue no tapete da sala de casa. “Eram umas duas horas da tarde. Tava sozinha e não fazia ideia do que tinha acontecido.” Tinha um corte na cabeça. O sangue já tinha secado e o cabelo estava endurecido. “Nunca descobri o que aconteceu.”

 

Num jantar em que foi conhecer a família de sua namorada, continuou descendo a escadaria de mármore do restaurante mesmo depois que ela já tinha terminado. Ficou de joelhos e depois deitou, dormindo ali mesmo.

 

A parada definitiva veio depois do fim do relacionamento. “Tomei um pé na bunda e fiquei dois anos e meio sem ninguém. Tava louca pra ficar sóbria e aproveitei.”

 

Passou por várias recaídas. “Nos últimos 20 anos em que eu bebi, posso dizer que bebi durante dez, porque tinha paradas e recaídas, mas tava tentando.”

 

Segundo ela, foram essas paradas que a salvaram de não ter lesão no fígado ou outro problema de saúde relacionado ao álcool. “Eles têm uma analogia na literatura do alcoolismo com uma vela. Você vai bebendo e a vela vai derretendo. Uma hora você para e fica 20 anos sem beber. Quando volta, a vela volta a queimar de onde parou.”

 

“No AA [Alcoólicos Anônimos], eles falam que é preciso mudar hábitos, pessoas e lugares. É muita coisa! É a sua vida!”

 

O maior medo da jornalista era perder as pessoas. “Mas ficaram as que gostam de mim realmente. As que eram do bar foram embora. E muitas das que foram embora já morreram.”

 

Teve um amigo que morreu de cirrose: “O [artista plástico] Fernando Zarif. Quando eu parava de beber, ele ficava comigo caretérrimo. Ele se preocupava comigo e não com ele. Foi meu amigo até o seu último dia de vida. Sinto uma falta absurda dele”.

 

“Eu era uma pessoa que bebia e aprontava horrores. Então, não tinha como eu não saber que tinha um problema. Sabia que ia acabar numa cadeira do AA mais cedo ou mais tarde”, diz.

 

Barbara diz que sofria. “Não tinha com quem falar porque na minha família todo o mundo fazia julgamento de caráter. Achavam que eu era dissimulada, que eu era louca e bebia, mas, de fato, eu bebia e ficava louca. Muitas vezes eu jurei de pé junto que ia parar de beber e tinha a intenção de parar de beber. Só que eu não conseguia. Então, também perdi credibilidade”.

 

Ela conta que sua família nunca entendeu o que é um grupo de autoajuda nem que ela tinha dependência química. “Não é só uma coisa psicológica. Mas, mesmo assim, eles nunca deixaram de me apoiar.”

 

Os pais de Barbara, Lulla e Piero Gancia, eram de famílias tradicionais na Itália, mas saíram da Europa com medo de uma terceira guerra mundial. O primogênito, Carlo, nasceu na Itália. Antes de chegar ao Brasil, em 1953, eles passaram um tempo no Uruguai, onde nasceu a primeira filha, Eleonora, a Kika. Barbara já nasceu em São Paulo.

 

“Eles sempre foram conservadores pra caralho politicamente, mas tinham uma liberdade de costumes, no sentido de que tem uma certa elite pensante que pode tudo. Minha mãe nunca deu a mínima de eu gostar de mulher. Sempre falei sobre tudo com ela.”

 

“Olha aqui a minha mãe com a [atriz americana] Elizabeth Taylor, que era amiga dela”, diz Barbara mostrando a foto. “Eles eram superlindos e festeiros. Mas pra mim era horrível. Eu queria ter uma mãe normal. Fui super mimada e ao mesmo tempo eles não me davam muita atenção porque estavam ocupados correndo de automóvel e sendo grã-finos.”

 

A jornalista se lembra do dia em que apresentou maconha para a mãe, que tinha uns 60 anos na época. “Um amigo começou a enrolar o baseado, mas aí ela pegou da mão dele e disse: ‘Dá aqui. Na guerra eu fazia com as bitucas de cigarro’”, diz Barbara imitando o sotaque italiano de dona Lulla.

 

“Ela enrolou o baseado e começou a fumar. De repente começou a dar risada. Aí falou: ‘Estou me sentindo como os imbecis devem se sentir’. E largou. Ela era uma figura”, lembra, aos risos.

 

Seu pai, Piero, se tornou o primeiro campeão brasileiro de automobilismo, em 1966, quando o torneio foi criado. “Toda vez que a gente ia para a pista, no dia seguinte tava escrita uma coisa diferente no jornal. Então, a gente não gostava de jornalistas”.

 

A cisma só passou quando Barbara deu sua primeira entrevista. “Minha irmã foi morar em Nova York e tinha aquele Studio 54 [discoteca de Manhattan], bombando. Eu tinha ido estudar na Inglaterra e, quando eu voltei, começaram a falar da irmã esquisitona da socialite”.

 

A história chegou até os ouvidos do escritor Antonio Bivar, que na época trabalhava na edição brasileira da revista Interview. “Quando ele chegou [para entrevistá-la], eu falei: ‘Você senta ali, que eu vou escrever as perguntas e as respostas e já te dou’.”

 

Foi assim que surgiu seu primeiro emprego no jornalismo. “Quando ele leu o que eu escrevi,  me chamou pra trabalhar com ele em uma outra revista chamada Gallery Around. Na época, a minha amiga Claudia Matarazzo namorava o [jornalista] Ruy Castro e mostrava as minhas matérias para ele. O Ruy mostrou para o Caio Túlio [Costa, que era secretário de Redação da Folha], que mandou me chamar, e eu virei colunista do jornal”.

 

“Graças a Deus que eu tive esse rabo. Não fiz faculdade. Pensava em jogar golfe e beber. Você vê que bêbado tem anjo da guarda. O meu tem hérnia, deslizou três discos, anda manco, tem um problema na corcunda. Coitado!”

 

“Hoje em dia me cuido um pouco mais. Sempre achei que ia morrer e não achava muito problemático, já que não tenho filhos”, diz ela. Barbara conta que chegou a levar bronca dos irmãos, que queriam sobrinhos. “Eu sabia que não ia ser bom beber e ter filho e por isso nunca me fez grande falta.”

 

“Só que daí eu encontrei a Marcela [com quem namora há dez anos]. Ela tem dois filhos e a gente quer ver os moleques crescer. Me cuido hoje em dia porque ela manda.”

 

Com 61 anos, afirma estar feliz. “Não tem mais nada que você tenha que se esforçar muito para fazer. Você já tem um percurso. É uma sensação muito boa”.

 

Rótulos também não a incomodam. “Antigamente eu era aquela bêbada, depois eu virei aquela lésbica e hoje eu sou aquela velha. Tá tudo certo.”

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