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Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

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'Não fui atrás de uma carreira internacional, acho isso uma bobagem', diz Carol Duarte

Atriz tem o papel feminino mais importante do filme italiano 'La Chimera', que fez sua estreia oficial no último festival de Cannes

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A atriz Carol Duarte

A atriz Carol Duarte Bruno Santos/ Folhapress

Carol Duarte é uma pessoa surpreendente. Nas telas, no palco e na vida. A atriz paulistana, criada em São Bernardo do Campo, tinha acabado de voltar de sua segunda estreia mundial no principal festival de cinema do mundo, com o segundo longa-metragem que fez na vida, o italiano "La Chimera" (ainda sem previsão de estreia no Brasil), quando combinamos de fazer esta entrevista durante uma sessão de fotos.

Contou que morava em um bairro não muito distante de onde eu moro e perguntou, por meio da assessora de imprensa, onde eu sugeria que a entrevista e as fotos fossem feitas. Sugeri na minha casa, que seria mais fácil para mim, obviamente, e, talvez, para ela, que em um lugar público poderia ser reconhecida ou ficar intimidada de falar com franqueza sobre sua vida e seu trabalho.

A atriz Carol Duarte
A atriz Carol Duarte - Bruno Santos/Folhapress

Que erro de julgamento. A parte de ser mais fácil para mim foi fato comprovado, mas a hipótese de que Carol seria intimidada por alguma coisa se provou 100% errada nos primeiros cinco minutos.

Com 31 anos (completa 32 no próximo dia 10), 1,75 metros de altura, corpo esguio, braços e pernas longas, cabelo tingido de ruivo e meio preso, meio solto, Carol tocou a campainha pontualmente na hora marcada, e, sem a menor cerimônia nem um pingo de insegurança, se colocou à disposição do fotógrafo Bruno Santos.

Nem se olhou no espelho antes de começar a ser fotografada. Só tirou uma camisa branca que vestia por cima de um macacão preto, deixou a bolsa numa poltrona e pronto, estava preparada para o close. "Passo um gloss, será?", perguntou. Bruno fez que sim com a cabeça, ela mexeu na bolsa, pegou o brilho e passou ali mesmo, no meio da sala.

Depois, quando vimos no visor da câmera as imagens que tinham acabado de ser captadas, ela disse "legal, estão ótimas". E fim. Não pediu para rever nenhuma foto, muito menos apagar ou refazer alguma pose. Como se não fosse com ela, como se não fosse o rosto dela aquele que iria sair publicado no jornal.

Então, sentou-se no sofá cor de mostarda, botou de volta a camisa branca, pediu uma água e respondeu a todas as perguntas da maneira mais franca e sincera possível. Quando algum assunto incomodava, ela falava abertamente que era assim, e explicava sem receio seus motivos.

Foi o caso do personagem Ivan, de sua primeira novela, "A Força do Querer", que foi ao ar na TV Globo em 2017. No começo da trama ela era Ivana, uma menina rica da zona sul carioca, filha dos personagens interpretados por Maria Fernanda Cândido e Dan Stulbach, que se descobre um menino transexual ao longo da história. Carol ganhou um prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pelo papel, além de vários outros como atriz revelação.

"Parei um pouco de falar sobre esse personagem porque esses temas ganharam um contorno muito maior de lá para cá, hoje a gente tem pessoas LGBT no Parlamento, isso muda muito as coisas", disse. "Mas esse papel me emociona até hoje, às vezes vou me apresentar em cidades pequenas e tem pessoas que vêm falar comigo e me contam que o Ivan foi fundamental na vida delas. A novela entra em lugares que a gente nem imagina", explica.

"Esse debate é muito necessário, mas a novela é uma obra de 2017, a gente não pode perder isso de vista. Todos nós, atores, comunicadores, cineastas, jornalistas, vamos ter que rever várias coisas, repensar o nome que damos a elas, as maneiras de nos referir às pessoas, o tempo inteiro. E isso vai ser bom para todo mundo".

Foi uma abordagem totalmente oposta à maneira com que ela falou de sua própria sexualidade. "Eu sou sapatão. Pelo menos tenho sido até agora, acho difícil também prever como vai ser o resto da minha vida", disse. Carol tem uma namorada, com quem mora, há nove anos, Aline Klein, uma editora de livros que se autointitula "militante socialista" no Instagram. É seu primeiro relacionamento sério. Antes de Aline, Carol teve namoros mais curtos, paqueras, ficadas. Sempre com meninas.

Aline, sua namorada, é neta de italianos, fala a língua dos avós fluentemente, e a mãe dela é inclusive professora de italiano. Ter ouvido a língua da família da namorada com frequência fez com que ela também aprendesse a falar o italiano, o que foi bastante útil na hora em que a cineasta italiana Alice Rohrwacher, diretora de seu novo filme, se encantou por Carol em uma longa conversa por Zoom.

"Eu não fui atrás de uma carreira internacional, acho isso uma bobagem. Quero fazer projetos legais, só isso", conta a atriz. Mas o destino tinha outros planos. A diretora italiana de "La Chimera" trabalha sempre com a mesma cinematógrafa francesa, Hélène Louvart, que o brasileiro Karim Aïnouz contratou para o filme "A Vida Invisível", estreia de Carol no cinema.

E, quando tinha todo o elenco escolhido —começando com o protagonista, o inglês Josh O’Connor, que viveu o Príncipe Charles nas temporadas três e quatro da série The Crown, da Netflix, e Isabella Rossellini como Flora, uma senhora italiana que vive numa casa antiga com uma empregada estrangeira, além de vários outros atores nos papeis secundários—, menos a personagem que justamente se chama Itália, a diretora entrou em desespero.

Ela já tinha feito testes com atrizes, não atrizes, italianas, espanholas, e não tinha encontrado ninguém que gostasse o suficiente para o papel. Então, pediu ajuda a Hélène, que lembrou na hora da brasileira talentosa, elegante, de rosto forte e voz marcante, com quem tinha trabalhado alguns anos antes.

O primeiro longa-metragem da carreira de Carol, "A Vida Invisível", foi baseado no livro "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão", da escritora Martha Batalha. O filme foi lançado em 2019 no festival de Cannes, o mais importante do cinema mundial. Carol interpretou a personagem principal do filme, a tal Eurídice Gusmão da história, que, na velhice, é vivida por Fernanda Montenegro.

Dirigido e roteirizado por Karim Aïnouz, "A Vida Invisível" ganhou o prêmio da mostra paralela Um Certo Olhar no festival francês. Ela contempla filmes mais autorais com a distribuição do título no mercado francês e um valor de 30 mil euros para o diretor (cerca de R$ 158 mil). Carol ganhou o prêmio APCA de melhor atriz, pela segunda vez, pelo filme.

Ela não contracenou com Fernanda Montenegro, afinal, viveram a mesma personagem em épocas diferentes. Mas fala da atriz com intimidade, já que as duas ficaram próximas no lançamento do filme. E Carol usou o mesmo adjetivo para se referir a Fernanda que tinha usado para elogiar Isabella Rossellini: generosa.

Mas como uma pessoa pode saber que a outra é generosa só de atuar junto, ou, no caso de Fernanda, de ir com ela a algumas pré-estreias?

"Atuar é muito parecido com paquerar. Você tem que estar aberta a qualquer possibilidade, se não, não funciona", disse Carol. "Claro que tem técnica, claro que tem treino, mas se o ator não estiver disposto a ser afetado pela presença do outro, não rola. A chave da atuação é estar aberto ao encontro."

"La Chimera" é o segundo filme de Carol. E ela já tem um terceiro longa filmado, "Malu", do diretor estreante Pedro Freire, que deve entrar em cartaz no ano que vem. "Agora decidi voltar para o teatro. Amo fazer cinema, amo fazer novela, mas é no teatro que eu consigo respirar melhor, sabe? No teatro o ator tem mais autoridade, sinto menos pressão", diz.

Carol está em cartaz com um espetáculo chamado "Babilônia Tropical", fruto de um longo trabalho de pesquisa do ator e diretor Marcos Damigo, que estreou em maio em Belo Horizonte. A trama se passa durante a invasão dos holandeses no nordeste brasileiro no século 17. Carol tem o papel principal.

Em agosto, o espetáculo vai para Brasília, em seguida chega a São Paulo, e depois vai ao Rio. "E estou trabalhando em um projeto meu também, de teatro, que deve estrear em São Paulo no fim do ano. Além de umas outras coisinhas das quais ainda não posso dar detalhes", disse.

A conversa durou mais de uma hora. E só acabou porque eu tinha hora para sair. Deixei meu número de celular com ela, peguei o dela e ficamos de trocar mensagens se surgisse alguma dúvida na hora de escrever o texto.

Secretamente, imaginei que estava dando uma chance para que ela repensasse o uso do termo "sapatão" para se referir a ela mesma. Quando ela disse isso pela segunda vez na entrevista, questionei a palavra escolhida para se referir a si mesma. Ela riu. "É meio vintage, né?".

Tinha certeza de que ia chegar uma mensagem de texto nos dias seguintes. Mas Carol Duarte, pelo jeito, tem coisa bem melhor para fazer na vida.

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