Muniz Sodré

Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”

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Muniz Sodré
Descrição de chapéu Eleições 2022

O enigma da terceira via eleitoral

Por que 'terceira' se só uma das candidaturas é de polo extremo?

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Palavras cruzadas, charadas e pequenos enigmas são velhos recursos de jornais e revistas para entreter certas classes de leitores. Mas quando coisas dessa ordem se estendem à esfera política, o interesse público é obrigatoriamente mais amplo.

Exemplo marcante vem de especulações de natureza diversa a propósito de uma "terceira via" na eleição. Ninguém explica por que seria terceira, considerando-se que, entre as existentes, só uma é polo extremo, longe da expectativa democrática de restauração civil.

Charge de Leandro Assis e Triscila Oliveira publicada na Folha em 11 de maio de 2022. Ao centro da charge está rosto de Jair Bolsonaro, visível apenas da metade para cima, de olhos arregalados e suando. Ao seu redor urnas eletrônicas flutuam, com imagens do candidato Lula, CIA, estrela do partido dos trabalhadores e uma dele mesmo atrás das grades.
Charge de Leandro Assis e Triscila Oliveira sobre as eleições - Leandro Assis e Triscila Oliveira

Talvez ajude imaginar um jogo em que uma bola corra sozinha em campo sem que se saiba por quê, à espera de alguém que a agarre e lhe dê uma definição. Até agora, em nenhum momento, ninguém se arriscou a resolver o enigma, embora a bola continue correndo, aparentemente refratária, como mercúrio: já driblou muita gente.

Um chute inicial foi dado pelo ex-governador gaúcho. Embora tenha apoiado a eleição do atual presidente, se apresentou ainda no cargo como virtual opositor federal. Como costuma acontecer com os políticos convictos de que é dispensável a formulação de um projeto nacional, o postulante reduziu a provável expectativa de uma carta de intenções ao tamanho de um cartão de visitas, em que simplesmente fazia uma honesta declaração de gênero.

Mas é possível que, até no país onde dirigentes se sucedem no poder sem que se saiba exatamente por que ali estiveram, isso ainda baste para impressionar uma plataforma política com pretensões a mediar uma polarização das mais quentes.

O resto já é história: o governador perdeu para o colega paulista a indicação partidária. No começo, não aceitou bem o resultado da convenção, depois fingiu contemporizar, depois renunciou ao cargo, depois anunciou que seria novamente candidato a governador, depois passou a articular candidatura à vice-presidência numa provável chapa com uma senadora.

E como numa história dessas, os personagens não precisam de nomes, porque funcionam ao modo de velho jogo infantil em que as peças apenas se deslocam a partir de uma casa vazia, saindo vencedor quem as enfileira em menos tempo.

Não é jogo estranho ao da política nacional, em que ninguém diz realmente a que vem, embora isso fique mais claro na polarização entre restauração civil e barbárie confessa. Entretanto é totalmente análogo ao enigma da terceira via, que não se sabe mesmo o que significa.

Lembra mesmo a casinha vazia do jogo, ou seja, só um zero para que pessoas marquem presença pífia nas pesquisas e se movam em torno do fundo partidário. Esta é a meta real, o poder de gastar dinheiro. E o deslocamento real é sem sentido nem consistência política, como fica claro no frenesi de posições. Mas parece que ninguém dá bola para isso.

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