Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Becky S. Korich

O Brasil está emburrecendo os brasileiros

Estamos entre os 15 piores na competência de pensamento criativo

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Que o Brasil é uma vergonha na matemática, não é novidade. De cada dez brasileiros com 15 anos, só três conseguem resolver problemas simples, como converter moedas e comparar distâncias. A surpresa é que somos um fracasso também em criatividade. A esperteza e o inventivo jeitinho brasileiro pararam no tempo.

Esta foi a conclusão da maior referência em avaliações internacionais de educação, o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que divulgou seu último relatório em junho (18). A avaliação concluiu que mais da metade (54,3%) dos alunos brasileiros ficou nos níveis 1 e 2 —abaixo do considerado básico— e não foram capazes de resolver problemas simples e expressar ideias inovadoras. Só 10% tiveram um desempenho alto.

O Pisa, que até 2022 avaliava os conhecimentos em matemática, ciências e leitura, passou a mensurar também a capacidade criativa dos estudantes, que é inegavelmente um dos maiores estímulos para a própria aprendizagem e desenvolvimento.

Alunos do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, da Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo
Alunos do 3º ano do ensino médio da Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, da Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo - Sergio Barzaghi - 12.dez.23/EducaçãoSP/Divulgação

Ao lado de outros exemplos de erudição, como Cazaquistão, Peru, Panamá e Arábia Saudita, o Brasil ficou entre os 15 piores na habilidade e competência de pensamento criativo. Em termos comparativos, Singapura, o mais alto no ranking, ficou com 41 pontos, enquanto o Brasil ficou com 23, dez pontos abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), responsável pelo exame.

Se por um lado estamos na lanterna da excelência, por outro ocupamos o primeiríssimo escalão da mediocridade quando se trata do sistema de educação.

Entre 50 países, somos o terceiro com o pior investimento público por estudante, só "perdendo" para o México e a África do Sul. Além disso, o óbvio: não seguimos um projeto coerente nem uma política consolidada que valorize a importância da educação para o país.

Com tudo isso, ou melhor, sem nada disso, o Brasil está emburrecendo os brasileiros.

O desprezo pela educação transforma o país em uma usina de genialidade às avessas. Convivemos com escolas sem estrutura adequada, gestores nomeados por indicação política, professores mal preparados, desvalorizados e mal pagos. Ter que administrar, por exemplo, 13 matérias espremidas nas 4h de aula diárias, não leva a nenhuma aprendizagem de verdade. São escolas onde não se aprende.

O problema não é recente. Há tempos que o setor educacional não figura entre as prioridades do Brasil, apesar de ser o instrumento mais poderoso para a transformação de uma nação. A educação é tratada mais como uma política de governo do que como uma política de Estado. O maior problema é que a política precisa de resultados rápidos, coisa que a educação não consegue entregar.

Vamos sonhar: se nos próximos dez anos o Brasil investir na melhoria do seu sistema educacional, combinando investimentos com uma gestão eficiente, podemos dar um salto no crescimento e no desenvolvimento e diminuir as desigualdades do país. Ser outro país.

O Pisa já mostrou que estamos menos criativos, então vamos assumir essa realidade e nos inspirar nos países que conseguiram se transformar através da educação, como Singapura, Finlândia e Coreia do Sul. Escolas em tempo integral, alfabetização até o 2º ano, valorização e preparo dos professores e educação profissional técnica e tecnológica são alguns parâmetros básicos para essa transformação.

A Coreia do Sul é um bom exemplo a se seguir, porque começou pior do que nós. Até 35 anos atrás, os sul-coreanos eram mais pobres do que os brasileiros; hoje, são pelo menos três vezes mais ricos. Depois de ser devastada pela Segunda Guerra e pela Guerra das Coreias, se reconstruiu com uma decisão governamental firme: transformar o país a partir da educação. Atualmente, 100% da população é alfabetizada, graças ao rigor na formação e ao investimento na formação educacional. Esse compromisso levou a nação asiática ao atual patamar de potência global. A educação faz milagres.

E o que dizer de Portugal? Seus resultados deixaram sem graça as piadas que debocham da inteligência dos nossos patrícios. O país superou a média em criatividade e ficou entre os 12 melhores no Pisa, próximo a Finlândia e Dinamarca. Não foi à toa. Desde 2000, Portugal registra avanços nos seus indicadores educacionais. Além das medidas comuns adotadas por outros países, Portugal investiu fortemente nos primeiros seis anos e se focou nas famílias. O número de pais que completaram o ensino médio aumentou consideravelmente, o que diminuiu a evasão escolar. É uma consequência direta, quanto maior a escolaridade dos pais, menor é a evasão e melhor é o rendimento dos filhos na escola.

No Brasil a evasão escolar é preocupante, um em cada cinco adolescentes de 15 anos é nem-nem, o que é mais perigoso do que parece. A falta de perspectivas construtivas gera um enorme impacto econômico e social, perpetua a pobreza e deixa os jovens suscetíveis a atividades criminosas e comportamentos de risco.

Os próximos anos serão cruciais para que o Brasil não permita que mais gerações saiam da escola sem aprender contas básicas ou interpretar textos. O Projeto de Lei, recentemente aprovado pelo Senado, que define novas diretrizes para o Ensino Médio pode ser o primeiro passo, ainda que mereça ajustes.

Vamos esperar o milagre acontecer, que o Estado invista com recursos financeiros e tenha uma gestão honesta e de qualidade na educação, e não seja apenas promessa de palanque.

Os brasileiros de 2034 agradecem antecipadamente.

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