Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

São Paulo precisa se adensar de acordo com o interesse público e não do setor imobiliário

Plano Diretor busca gerar cidade mais compacta e sustentável, que preserva os miolos dos bairros da verticalização dispersa

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Representantes e entidades do setor imobiliário têm frequentemente feito críticas à legislação urbanística de São Paulo, resultante do Plano Diretor Estratégico de 2014. Argumentam que ela é restritiva, eleva os custos da produção de habitação e gera um modelo de desenvolvimento urbano inadequado.

A opinião reapareceu nessa semana no artigo “Quanto maior a restrição, maior a desigualdade”, do vice-presidente do Secovi-SP, engenheiro Ricardo Yasbek. Segundo ele, na maioria das cidades do Brasil, principalmente São Paulo, “as legislações urbanas, elitistas e restritivas, encarecem as moradias, expulsam as famílias para zonas periféricas e obrigam o poder público a levar (ou a tentar levar) infraestrutura mínima a locais remotos. As condições de mobilidade se tornam impraticáveis. A poluição é agravada. Enormes recursos são desperdiçados. Uma desigualdade tão desproporcional que nos escancara que o modelo urbanístico utilizado deu errado.”

A argumentação busca justificar a alteração do Plano Diretor Estratégico e da Lei de Uso e Ocupação do Solo proposta pela gestão Bruno Covas e paralisada por decisão judicial. A mudança autorizaria a verticalização descontrolada nos miolos dos bairros, com a construção de edifícios de 48 metros (a atual legislação restringe a 28 m), a ampliação do número de vagas de garagens nos eixos de transporte coletivo (limitada a uma por unidade habitacional) e a redução do valor da outorga onerosa, destinada a investimentos capazes de reduzir a desigualdade sócio territorial da cidade.

Yasbek, com quem mantenho um diálogo construtivo, embora com divergências programáticas, tem razão quando critica o modelo urbanístico de São Paulo, que se consolidou na segunda metade do século 20. Apenas se esqueceu de dizer que faz parte desse modelo a verticalização descontrolada e dispersa no meio dos bairros, que é defendida pelo setor imobiliário e pela prefeitura na revisão da legislação urbanística.

Tenho sido um crítico desse modelo urbanístico, como escrevi na Revista de Estudos Avançados da USP, “O modelo de desenvolvimento urbano de São Paulo precisa ser revertido”. Esse modelo gerou uma cidade desigual, voltada para o automóvel, com verticalização dispersa nos bairros de classe média, crescimento horizontal nas periferias com baixa qualidade de urbanização, moradia distante do emprego, fundos de vale (Áreas de Proteção Permanente) ocupados, entre outras características.

A cidade resultante desse modelo, efetivamente, tem baixa densidade, como afirma Yasbek e isso gera graves problemas urbanos. Mas o padrão promovido pelo mercado imobiliário, com edifícios verticais de alto padrão dispersos no meio dos bairros, faz parte desse modelo, gerando um adensamento construtivo com baixa densidade populacional, ou seja, poucas pessoas morando em áreas com muitos prédios verticais em meio a casas remanescentes, enquanto outras áreas bem localizadas e urbanizadas permanecem ociosas e subutilizadas.

Subprefeituras localizadas no centro expandido, que se verticalizaram nas últimas décadas de acordo com o padrão defendido pelo Secovi, perderam população. Entre 1980 e 2010, a subprefeitura de Pinheiros perdeu 24% da sua população (de 378 mil habitantes para 289 mil em 2010); a Mooca perdeu 16% (de 409 mil para 343 mil) e a Lapa perdeu 4% (de 319 mil para 305 mil). Em 2010, a densidade dessas subprefeituras, respectivamente, 91 hab/ha; 97 hab/ha e 76 hab/ha, era inferior à densidade média da área urbanizada de São Paulo, que é de cerca de cem habitantes por hectare.  

O Plano Diretor busca exatamente mudar esse modelo urbanístico, gerando uma cidade mais compacta e sustentável, que prioriza o transporte coletivo, preserva as áreas de proteção ambiental e as reservadas para os 168 novos parques propostos e preserva os miolos dos bairros da verticalização dispersa, que gera forte impacto ambiental, urbanístico e social.

Não se trata de defender o “not in my backyard” (“não no meu quintal). Onde o planejamento da cidade exige transformações, como nos eixos de transportes coletivos, os moradores precisam entender que prevalece o interesse público. Mas onde isso interessa apenas ao setor imobiliário, o direito a vizinhança deve ser garantido.

A verticalização e o adensamento ficam direcionados para os eixos de transporte coletivo, onde as unidades habitacionais devem ter áreas menores, para as Zonas Especiais de Interesse Social bem localizadas, destinadas para habitação da população de baixa e média baixa renda, e para a áreas de reestruturação e requalificação na antiga orla industrial da cidade, na chamada Macroárea de Estruturação Metropolitana, que tem grande potencial e devem ser planejadas.

Essas áreas são suficientes para garantir a atividade imobiliária, para absorver o crescimento da população e para abrigar os moradores que eventualmente precisem ser realocados em decorrência de projetos de urbanização e obras públicas.

Mas, para tanto, a prefeitura precisa priorizar as ações e projetos previstos, como a implantação de corredores de ônibus, ampliando as áreas permitidas para adensamento, a notificação dos proprietários de imóveis ociosos e subutilizados, para combater a especulação e ampliar a ofertas de terrenos a custos mais baixos e a aprovação dos vários Projetos de Intervenção Urbana previstos para a Macroárea de Estruturação Urbana, como os Bairros do Tamanduateí (há quatro anos na Câmara Municipal).

Se estratégia urbanística prevista no Plano Diretor for implementada com mais agilidade, é possível garantir uma cidade mais densa, com mais qualidade ambiental e menos desigual. 

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