Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade mudança climática

Enfrentando a desigualdade e a emergência climática, Lula pode promover um Green New Deal urbano

É hora de impulsionar o desenvolvimento econômico sustentável nas cidades, onde vivem 85% dos brasileiros

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Em um contexto de escassez de recursos, o novo governo Lula precisa equacionar iniciativas de caráter transversal que podem responder, simultaneamente, a várias agendas imprescindíveis para o país.

A política urbana e habitacional, se implementada de forma integrada com a pauta ambiental, pode cumprir um amplo leque de objetivos estratégicos: enfrentar a desigualdade, garantindo direitos; promover a adaptação das cidades para enfrentar a emergência climática e contribuir para o crescimento da economia e a geração de empregos.

Um amplo programa urbano, voltado para a produção habitacional, a urbanização e qualificação das periferias, a universalização do saneamento e o incentivo ao transporte coletivo é uma excelente oportunidade para se implementar o Green New Deal, impulsionando um desenvolvimento econômico sustentável nas cidades, onde vivem 85% dos brasileiros.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva vai à COP27, que acontece até o próximo dia 18 no Egito - Carolina Daffara - 30.out.2022/Folhapress

Na COP27, que começou neste domingo (6), ao lado do compromisso fundamental de zerar o desmatamento da Amazônia, a transição climática nas cidades pode mostrar que o Brasil está empenhado em enfrentar a emergência climática em diferentes áreas, tanto na vertente ambiental como na social.

Retomar um programa habitacional para a população de baixa renda, como o Minha Casa Minha Vida anunciado por Lula, é fundamental para o Brasil do século 21. Mas o programa pode ser muito mais amplo do que na versão anterior.

Além de garantir o direito à moradia, que é a porta de entrada para vários outros direitos, e de gerar empregos, ele pode contribuir para a adaptação e a resiliência das cidades no enfrentamento da emergência climática.

Para tanto, o novo programa deveria incorporar um leque variado de modalidades, que considere a diversidade da rede urbana e as especificidades de cada região e bioma. Os projetos urbanísticos, assim como os materiais utilizados, precisam ser apropriados às realidades locais.

Além do acesso à casa própria construída por empreiteiras, alternativas como lotes urbanizados, financiamento de material de construção, melhorias habitacionais, assistência técnica e locação social devem ser previstos. Elas possibilitariam um menor custo médio por família beneficiada, a ampliação do atendimento e melhores resultados.

Para contribuir com o enfrentamento da emergência climática, os novos empreendimentos devem ser inseridos na malha urbana, evitando a dispersão que amplia a necessidade de deslocamentos motorizados e a emissão de carbono. Ao conter o crescimento exagerado das cidades, as áreas verdes e a produção rural no periurbano ficam protegidas.

Para alcançar esse objetivo, os municípios devem ser induzidos a adotar nos seus planos diretores os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade para combater a especulação e planejar a expansão urbana.

Os financiamentos para novos projetos devem estar condicionados a inovações construtivas voltadas para descarbonizar a construção civil e implementar a racionalização e transição energética nas moradias, como a instalação de paineis fotovoltaicos para captar energia solar.

A participação dos moradores na construção das moradias e na gestão dos empreendimentos e dos condomínios gera soluções de melhor qualidade e menor custo. Por isso, além da parceria com o setor privado, devem ser estimuladas a autogestão e a promoção cooperativa.

Para enfrentar a desigualdade urbana é indispensável um programa transversal focado em territórios excluídos e vulneráveis, como favelas e loteamentos irregulares presentes nas periferias, territórios mais suscetíveis aos eventos extremos.

Com a parceira de estados e municípios, esse programa deve implementar, de forma integrada, ações como regularização fundiária, saneamento, infraestrutura, recuperação ambiental, mobilidade, eliminação de áreas de risco, implantação de áreas públicas e verdes, equipamentos sociais e assistência técnica para melhorias nas moradias.

As intervenções devem ser planejadas não só do ponto de vista urbanístico, mas também como política social, integrada com ações de segurança cidadã.

A urbanização desses territórios faz parte da adaptação das cidades para enfrentar as mudanças climáticas e é uma condição indispensável tanto para evitar os desastres causados por eventos extremos como para universalizar o saneamento.

Não será possível sanear esses territórios sem uma intervenção do setor público. Os investimentos privados, previstos no novo marco do saneamento, são bem-vindos, mas é quase um consenso que as concessões não irão dar conta das áreas mais carentes das regiões metropolitanas, dos municípios pobres e da área rural, que é onde se concentra o déficit.

A implementação da Lei Nacional dos Resíduos Sólidos é outra ação em que a agenda urbana converge com a ambiental e a social, em direção ao desenvolvimento sustentável.

A economia circular dos resíduos sólidos, a adoção em grande escala do princípio dos 5R (repensar, recusar, reduzir, reutilizar, reciclar) e a inclusão dos catadores nos sistemas de coleta contribuem para a redução das emissões de metano, um dos gases de efeito estufa que contribui para as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, essa diretriz abre o caminho para a mudança dos processos industriais, em direção à economia verde.

A mudança da lógica de mobilidade completa a agenda de enfrentamento das desigualdades urbanas combinada com a transição climática. A mobilidade é o setor urbano que mais gera emissão de carbono.

A descarbonização das cidades requer priorização e investimento no transporte coletivo, beneficiando a população de baixa renda que o utiliza, com a implantação de faixas e corredores de ônibus, metrô e trens metropolitanos. A renovação e eletrificação das frotas de ônibus, carros e motos abre perspectivas para um novo ciclo de industrialização no país.

Um Green New Deal urbano responde, simultaneamente, a várias agendas fundamentais para o Brasil do século 21. Mas apenas pode se tornar realidade com a construção de uma nova governança que articule os três níveis de governo, o setor privado, os movimentos sociais, as universidades e o 3º setor na perspectiva da construção de projeto de desenvolvimento urbano sustentável.

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