Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nina Horta

Comida funcional

O principal é o nutricionismo, quando o aspecto da nutrição torna-se o principal na nossa dieta

Prato preparado em restaurante em São Paulo
Prato preparado em restaurante em São Paulo - Marcelo Justo-11.jul.17/Folhapress
 

Só se fala em comida. De todos os lados. Foi-se o tempo no qual comentar menus e pratos era cri-cri-Food! É a ordem do dia, na TV, nos livros, nas revistas, nos jornais. Só nos resta acompanhar a leva dos filósofos e começar a perguntar, a contar histórias. E sobre o que eles mais falam? Esses rapazes espertos que só tratavam de sujeitos e objetos, de ser ou não ser, epistemologia e outros tantos vocábulos difíceis? Renderam-se também ao papo da comida.

Quais as perguntas mais frequentes?

Quem planta, quem vende, quem cozinha, quem come, quem joga fora os restos, quem lucra?

Todos os leitores poderão responder sem medo e sem se preocuparem se vão intervir nas próximas eleições. E não há grande perigo de descobrirem nossa identidade através das nossas respostas. Há muitas variáveis escondidas nas perguntas, nos nossos caprichos, lembranças, individualidades, lugar de nascimento, costumes, história. Países que receberam escravos, grandes levas de imigrantes, tudo molda nosso paladar.

Podemos até satisfazer a pauta mais moderna de todas, sobre gêneros, filosofando sobre o trabalho em relação à comida, na divisão do trabalho, no acesso a essa mesma comida.

Historiadores e filósofos fazem mapeamento de gênero através das várias etapas da produção da comida, passando pela distribuição e consumo. Isto feito consegue-se um retrato fiel do papel do gênero em cada passo da produção da comida.

Substitua a palavra “gênero” por “classe” e teremos dados diferentes mas tão interessantes quanto.

Com muito pensar sobre essas coisas básicas e outras podemos descobrir a que grupo pertencemos, pois a comida é parte importantíssima em qualquer contexto. Não vamos ter a resposta total de quem somos, mas vai ajudar a nos definir, a nos encaixar num grupo. Se perseverarmos nesses estudos vamos esbarrar com outras perguntas e respostas que nos identificarão cada vez mais.

Claro que filósofos diferentes fazem perguntas diferentes. Alguns discutem a comida globalizada e a local e sugerem uma terceira, que seja a mistura das outras duas.

Uma senhora filósofa conhecida afirma que o gosto pode ser uma condição de inclusão.

Pasmem, pois outros se preocupam com a ética da comida geneticamente modificada (a comida é ética se formos responsáveis e cuidadosos e que essas atitudes devem ficar a cargo do governo nacional e não local.)

E o problema que suscita mais polêmica? Comer ou não comer os animais, assunto infindável e polêmico.

Para mim, o principal é o nutricionismo, quando o aspecto da nutrição torna-se o principal na nossa dieta. A comida saudável que nos faz saudáveis e isso basta. Aquele equilíbrio de gorduras, proteínas, carboidratos, aí, nós, longevos e bonitos, mas esquecidos da comida em si, da comida em outros contextos, dos seus vários atributos.

Ah, e como erram, como se desmentem, como descobrem hoje o que não descobriram ontem, ai de quem obedecê-los, há de se roer em remorsos por ter deixado de comer gordura por metade da vida quando agora é preciso comê-la, que desprezou o ovo, quem se engajou na comida só em termos da composição dos seus nutrientes. E a corrida dos fabricantes para agradar o consumidor com suas etiquetas mentirosas...

Esse assunto merece um artiguete só para ele e vai ser o próximo.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.