Vegetais se tornam protagonistas em novos restaurantes

Tendência também se observa em casas sem restrições a carnes, como o Futuro Refeitório

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São Paulo

Perto de a hamburgueria Na Garagem, em São Paulo, completar cinco anos, o chef Gilson de Almeida decidiu abrir o Homa, um restaurante... vegetariano. Teve de explicar aos amigos que cuidar de carne e, ao mesmo tempo, de legumes não tem nada de mais.

Nem ele nem seu sócio, o chef José Barattino (do Eataly e ex-Emiliano), são adeptos da dieta sem carne ou derivados. O que querem, no restaurante aberto há dez dias, é explorar as possibilidades que cenouras e beterrabas oferecem numa casa em que "não entra bicho".

"O que vou comer lá? Salada?", disse um dos amigos de Barattino. A resposta é que vegetal é muito mais que isso —por essa razão, o verde não aparece na comunicação visual da casa, e sim o roxo de berinjelas, uvas e repolhos.

Assim como no Homa, os ingredientes vegetais vêm assumindo o lugar de personagem principal na composição de receitas e cardápios.

"Na nossa história de gastronomia, o senso do prato era a proteína e então você pensava nas guarnições, que eram verduras. Estamos invertendo essa ordem", diz a chef Gabriela Barretto.

Ela, que, em quase dez anos de Chou, já tinha um trabalho intenso com vegetais, inaugurou em janeiro o Futuro Refeitório, onde predomina o que vem da horta.

De dia, são dez opções de plantas, quatro de proteína animal e cinco sanduíches apresentados em combos —o íntegro (R$ 38), sem carne. No jantar, pratos para compartilhar, como o crocante de sementes e homus de cenoura (leia receita abaixo).

"Tem muita gente que já faz isso, como o [chef francês] Alain Passard, vanguardista. Mas com certeza aqui ainda é meio marginal", diz ela.

Para o antropólogo Ulisses Stelmastchuk, o protagonismo da carne remonta ao início do século 20, quando o consumo de proteína animal no país começou a ser incentivado por seu potencial econômico —e rumou para se tornar algo quase indiscutível.

A história de dedicação de chefs a vegetais é longa, no Brasil e fora dele. Caso de Passard, que em 2001 causou estrondo ao anunciar um menu vegetariano (com algumas exceções) no estrelado Arpège.

Aqui, casas como Chef Vivi se notabilizaram pelo afinco dedicado ao tema. Também em São Paulo, o Tuju ficou famoso pelo menu-degustação sem carne. "Quando abri, nosso prato vegetariano era uma salada. Hoje, crio uma receita para cada um desses vegetais", diz o chef Ivan Ralston.

Parte desse trabalho, ele explica, é saber quando os ingredientes estão na época e têm a força necessária para serem estrelas —se você pegar uma alcachofra fora da safra, ela não tem sabor.

SEM ENYA, por favor

Muita gente chega ao Teva, bar de vegetais no Rio que deve ter endereço em São Paulo neste ano, se perguntando o que há de tão especial em uma couve-flor ou um brócolis.

"Trabalhamos vegetais como protagonistas, sem fazer receita de feijoada de tofu, com técnica e apresentação", explica o chef Daniel Biron, formado pelo Natural Gourmet Institute de Nova York.

A casa é vegana, mas a maioria dos clientes, não. "A gente quis se distanciar dessa coisa radical, de restaurante que toca música da Enya. Não critico os 'naturebas', mas o principal é o sabor."

A chef Marina Sciotti abriu o vegetariano Quincho em março sem levantar bandeiras. "Já temos o público vegetariano. Meu desafio está no carnívoro."

E não faltam pratos que agradem a ambos —incluindo uma improvável folha chamada peixinho, servida empanada. Tem também hambúrguer de cogumelos com cebolas caramelizadas.

Mas pode chamar de hambúrguer? "Poderia dizer 'disco de cogumelo', mas preciso de nomes que possam ser reconhecidos por todos", diz.

Um caminho natural, menos rígido, tem sido pregado por chefs e também pela Sociedade Vegetariana Brasileira. "Tirar carne do prato não precisa ser uma questão de tudo ou nada. Pessoas reduzindo seu consumo de produtos animal estão fazendo uma grande diferença no mundo", diz o secretário executivo, Guilherme Carvalho.

E dá até para fazer isso com uma boa dose de doçura dando uma passada no Tropics, casa de sucos com cardápio à base de plantas em Pinheiros, São Paulo, que serve, entre outras comidinhas, um brownie feito com beterraba com nibs de cacau.


Homus de cenoura com crocante de sementes, receita servida no Futuro Refeitório, aberto no início do ano em SP
Homus de cenoura com crocante de sementes - Roberto Seba/Divulgação

Homus de cenoura com crocante de sementes
de Gabriela Barretto, chef do Futuro Refeitório

10 porções; preparo 2h30

HOMUS

1,5 kg de cenoura, sem casca e cortada em rodelas de 4 cm

1 colher (sopa) de semente de coentro

2 colheres (sopa) de semente de cominho

1/4 de xícara (chá) de óleo de girassol

2 colheres (sopa) de açúcar refinado

1 colher (sopa) de mel

1/2 colher (sopa) de páprica doce

1/2 colher (sopa) de páprica picante

1 e 1/2 xícara (chá) de água

sal

1/3 de xícara (chá) de manteiga de amêndoa

1 dente de alho, grande e descascado

1/2 xícara (chá) de suco de limão taiti

3/4 de xícara (chá) de suco de cenoura

1/4 de xícara (chá) de azeite

PREPARO

Misture bem em uma fôrma as rodelas de cenoura, as sementes de coentro e de cominho, o óleo, o açúcar, o mel, a páprica doce e a páprica picante, a água e o sal

e leve ao forno preaquecido a 180ºC, coberto, por 30 minutos, com papel-alumínio

Retire o alumínio e mexa bem as cenouras, impedindo que fiquem amontoadas. Leve de volta ao forno por mais 45 minutos, checando de tempos em tempos se precisa de um pouco de água. Quando estiverem bem caramelizadas, estão prontas

Retire-as do forno e leve ao processador com a manteiga de amêndoa, o alho, os sucos de limão e de cenoura e o azeite

Corrija o tempero e sirva com um fio de azeite e um pouco de páprica picante por cima, acompanhado do crocante de sementes

CROCANTE DE SEMENTES

130 g de aveia

120 g de semente de abóbora

50 g de semente de girassol

35 g de chia

50 g de gergelim branco

25 g de gergelim preto

1 colher (café) de sal

30 g de melaço de cana

20 g de óleo de girassol

250 ml de água

PREPARO

Misture os ingredientes secos em um cumbuca e adicione a água, mexendo e apertando as sementes. Deixe descansar por 30 minutos

Coloque a mistura sobre um silpat (tapete de silicone que resiste às altas temperaturas), cubra com uma folha de papel-manteiga e abra a massa com um rolo até ter 1,5 mm de espessura

Remova o papel-manteiga e leve ao forno preaquecido a 150º C. Asse por 30 minutos. Retire e coloque imediatamente sobre superfície fria. Guarde, já frio, em um pote hermeticamente fechado, para manter a crocância

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