Nizan Guanaes

​Empreendedor, criador da N Ideias​.

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Nizan Guanaes

Não dá para ser cidadão Spotify, que baixa de vez em quando

A tecnologia conectou as pessoas, mas também as isolou e as segmentou; juntos podemos mais

Grafite parte de trabalho comunitário na periferia de SP - Eduardo Knapp - 11.jun.16/Folhapress

O espírito comunitário é sobretudo o espírito de construir coisas juntos. Ele deve nos inspirar neste momento em que o Brasil precisa se reconstruir em vários sentidos —talvez o maior deles o sentido de que somos um só país, um só povo.

Na semana passada, dei uma palestra para dirigentes da Congregação Israelita Paulista, liderada pelo jovem e brilhante rabino Michel Schlesinger, que tem entre suas principais atividades representar a comunidade judaica no movimento inter-religioso.

Michel, ao falar do espírito comunitário, contou o seguinte ensinamento rabínico: um homem rico costumava jogar o lixo de sua casa na rua. Um dia, um idoso o questionou: por que você joga o lixo de um lugar que é seu num lugar que não é seu? O homem deu de ombros. Tempos depois, ele perdeu tudo o que tinha e foi morar na rua. Um dia, tropeçou no lixo que alguém tinha jogado ali, bateu a cabeça e morreu.

O que fazemos com os outros tem uma conexão total com o que os outros fazem conosco. Os judeus, minoria perseguida ao longo de séculos, desenvolveram estruturas comunitárias que os fizeram resistir às perseguições mais abusivas possíveis.

Atuar na comunidade não é dar o tempo que nos sobra, mas o tempo que nos falta. Nosso tempo muitas vezes vale mais se dedicado aos outros do que a nós mesmos.

É no trabalho comunitário que construímos não a nossa vida pessoal, mas um espaço muito maior onde nós e nossos filhos viveremos.

Vem dessa atuação um senso de propósito que nos faz maiores e melhores. Esse sentimento de pertencimento e coleguismo ergueu grandes nações e grandes organizações. É bonito ver como os americanos chamam suas universidades (as comunidades onde se formaram) de alma mater.

Comunidade dá trabalho. Porque sem trabalho não se produz nada. Muitas vezes pode não ser prazeroso, mas deve ser grandioso. O sentimento de se dar aos outros é tão vigoroso que transforma.

Nosso deficit de governabilidade reflete em boa medida a falta de espírito comunitário, de compreensão do outro.

A tecnologia conectou as pessoas, mas também as isolou e as segmentou. Essa conexão, tão bem usada pelos desagregadores, tem mais força ainda quando usada para agregar, pois, desculpe o clichê, juntos podemos mais.

Um dos valores mais perenes da humanidade é o valor da comunidade. Não dá para ser cidadão Spotify, que baixa de vez em quando. O mundo precisa de coisas tangíveis. As enormes pedras do Muro das Lamentações levam direto a Deus. Assim como as pedras sagradas de Meca e do Santo Sepulcro.
A solução do mundo é a vida comunitária, como os hippies pregavam, os mesmos hippies que nos deram a alimentação orgânica, o pacifismo, o amor à natureza...

E não há dúvida de que as comunidades digitais podem ser a melhor ferramenta de mobilização para estabelecer comunidades produtivas e afetivas.

Tem gente que fala “eu não faço mal a ninguém”. Mas o mundo precisa que cada um de nós, dentro de suas limitações, faça o bem. A pior coisa que uma pessoa de bem pode fazer diante do mal é não fazer nada.

Sou de uma geração que negligenciou a questão política após vencer a indispensável luta contra a ditadura. Esquecemos a indispensável luta pela construção da democracia.

Ela precisa de nós agora, e teremos mais força se pensarmos sempre como uma comunidade e trabalharmos por ela. A nossa principal conexão é aquela que estabelecemos uns com os outros.

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