Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Retrocesso civilizatório

Esse governo terá enorme dificuldade em formular e fazer avançar políticas de segurança

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A vida no Brasil tem se tornado cada vez mais banalizada, especialmente para quem é jovem, negro e vive nos estados do Norte e Nordeste. Foram mais de 65 mil homicídios em 2017, sendo 72% dessas mortes com emprego de armas de fogo.

Ultrapassamos, assim, os homicídios ocorridos na Colômbia, país que ainda não superou a guerra às drogas, e México, em que o Estado tem paulatinamente perdido o controle de parte do seu território para o crime organizado. 

Atlas da Violência elaborado pelo Ipea, em parceria com Fórum Brasileiro de Segurança, aponta que os homicídios no Brasil não apenas têm crescido ano a ano, como esse crescimento afeta de maneira desigual a vida dos brasileiros. 

Enquanto para os brancos o aumento do número de homicídios foi de 3% nos últimos dez anos, para os negros esse aumento foi de 33%. Enquanto no Sudeste houve uma redução de cerca de 3% entre 2007 e 2017, no Nordeste o crescimento foi de 20%.

Houve aumento também do número de morte de mulheres dentro de suas próprias casas; e de jovens, entre 15 e 29 anos, que morrem em proporção 2,2 vezes maior que o restante da população. 

O avanço da barbárie, que eliminou mais de 2 milhões de pessoas nas últimas décadas, coloca o Brasil numa posição constrangedora em termos de respeito ao direito à vida, ao lado de nações em conflito armado e Estados que faliram.

É importantíssimo ressaltar, no entanto, que tem havido avanços no Sudeste, especialmente em São Paulo, onde a taxa de homicídios não ultrapassa 1/3 da média nacional. 

Múltiplos são os fatores que contribuem para o crescimento das taxas de homicídio, que vão da demografia —quanto mais jovens, mais homicídios — à iluminação da rua, passando pela existência de crime organizado, a renda disponível para aquisição de drogas, uma política equivocada de drogas, a disponibilidade de armas circulantes, a integridade e eficiência das agências de aplicação da lei, o grau de escolaridade, os padrões de desigualdade ou mesmo a religião. 

O que os dados do Atlas demonstram é que em boa parte do país esses fatores têm sido negligenciados pelas autoridades brasileiras ao longo de décadas. Lideranças de direita e esquerda, nas mais variadas esferas de poder, ao deixarem de cumprir suas obrigações, tem contribuído para o aumento dos homicídios. 

O atual governo não pode, obviamente, ser responsabilizado por essa catástrofe. Muitas das ideias e propostas que abraça, no entanto, fazem parte do repertório que apenas tem fomentado o crescimento dos homicídios.

A proximidade com milícias, a tolerância com a violência policial e contra mulheres, a sanção de uma nova lei de drogas, que continua criminalizando o consumidor, a adoção de um letal decreto de liberação de armas de fogo, além de uma temerária retórica de desrespeito à lei e aos direitos das populações mais vulneráveis, partilhada por alguns governadores, em nada contribuirá para reverter a espiral perversa dos homicídios. 

A grande contradição é que esse governo terá enorme dificuldade em formular e fazer avançar politicas racionais de segurança e proteção à vida, que têm dado certo em diversos países e mesmo em algumas regiões no Brasil, com uma base de apoio obcecada em promover as piores práticas no campo da segurança pública. 

Como sair dessa armadilha é a grande questão, sem o que continuaremos regredindo em termos civilizatórios.

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