Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira

Por um Natal sem sectarismo

A polarização pode abalar o compromisso do eleitor com os valores democráticos

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Há muitos Natais, encontrei um velho amigo que acabara de ser eleito deputado federal. Perguntei qual seria o primeiro projeto de lei que apresentaria. Intelectual sério, mas antes de tudo um pândego, disse que proporia a proibição de programas futebolísticos nos domingos à noite.

Fez uma divertidíssima preleção sobre a intolerância e polarização causada pelas mesas redondas, além do desperdício de tempo e energia dos brasileiros com o futebol. Se ao invés disso discutíssemos política, o Brasil talvez se tornasse mais sério.

Minha reação foi imediata: imagina se todos esses torcedores apaixonados e beligerantes voltassem suas atenções à política? A democracia não resistiria. Além do que, as mesas de Natal se tornariam insuportáveis.

Uma coisa é discutir futebol com o cunhado radical, outra é discutir política. Não foi nenhum insight original. Apenas a lembrança do alerta feito por Karl Popper sobre os riscos impostos à democracia pela intolerância.

Ainda que as domingueiras mesas redondas não tenham sido proibidas (felizmente), o fato é que imergimos num ambiente de profunda polarização e intolerância política nos últimos anos. Isso não apenas no Brasil.

Temas inerentes e tradicionais ao debate democrático, que costumavam ser disputados com certa racionalidade ou indiferença, como a criminalidade, a defesa da pátria, o aborto, o combate à corrupção, a imigração, a liberdade de expressão ou a desigualdade, passaram a ser objeto de uma disputa cada vez mais intolerante e contundente. 

O problema da alta polarização política em torno de temas fortemente ideológicos ou emocionais é que ela pode abalar o compromisso do eleitor comum com as regras e valores democráticos ou mesmo com as premissas mais fundamentais do Estado de Direito.

Como os eleitores têm diversos interesses e preferências na vida, em algumas circunstâncias podem entender que devem sacrificar valores mais abstratos e intangíveis, como a democracia, em benefício de um interesse que lhe seja mais concreto e direto.

De acordo com um instigante experimento comparado liderado pelo professor Milan Svolink, da Universidade Yale, publicado na última edição brasileira do Journal of Democracy, mesmo eleitores que se declaram compromissados com a democracia podem se demonstrar dispostos a sacrificar “princípios democráticos por interesses sectários”. 

Mais do que isso, momentos de forte polarização abrem enormes oportunidades para que políticos e governantes populistas, especialistas em explorar o medo e a divisão social, recebam autorização para defender de forma intransigente determinados interesses, ainda que isso implique afrontar alguma regra democrática ou garantia do Estado de Direito.

Dessa forma, vão provocando um processo de erosão gradual do regime por intermédio das próprias regras da democracia.

Vivemos no Brasil um momento de forte polarização, eximiamente explorado por um governante populista e hostil a diversos valores democráticos.

Sua retórica intransigente e conduta autocrática têm um objetivo claro de fragilizar a cultura e as instituições democráticas.

A resistência das instituições tem sido, até o presente momento, bastante positiva, impedindo diversos retrocessos em nossa democracia constitucional.

Isso, no entanto, não é suficiente para interromper a trajetória regressiva. É necessário que os diversos setores da sociedade brasileira sejam capazes de conter seus interesses sectários. Quem sabe o Natal seja um bom momento para começar?

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