Oscar Vilhena Vieira

Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de "Constituição e sua Reserva de Justiça" (Martins Fontes, 2023)

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Oscar Vilhena Vieira
Descrição de chapéu Folhajus

Ameaçadoras platitudes

Honra de magistrado não se protege pelo direito penal

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A afirmação de que a liberdade de expressão não é absoluta, além de constituir uma rotunda platitude, concede uma senha para a interdição do debate público, com severos danos à democracia liberal. É evidente que o uso da palavra pode e deve encontrar limites quando causar danos a direitos fundamentais de outros indivíduos ou mesmo grupos discriminados. Da mesma forma, não há obstáculo constitucional para que se reprima o uso abusivo da palavra com a finalidade de incitar o crime, seja contra uma pessoa ou as instituições democráticas, como parece ser o caso do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), ao fomentar atos de violência contra ministros e o próprio Supremo Tribunal Federal.

É inaceitável, porém, que autoridades públicas invoquem direitos de personalidade para reprimir e intimidar seus críticos, especialmente quando essas autoridades são aquelas que receberam a incumbência constitucional de zelar pela proteção da liberdade de expressão.

Ao propor o emprego do direito penal para calar o professor Conrado Hübner, que criticou uma de suas decisões —aliás, revertida por nove de seus colegas de tribunal—, o ministro Kassio Nunes se insurge contra a ideia elementar de que, num regime democrático, os parâmetros para a restrição à liberdade de expressão aplicados à vida privada não podem ser os mesmos daqueles destinados a reger o debate público.

Como salientava o ministro Celso de Mello, que o precedeu no Supremo, “o exercício da liberdade de expressão e crítica [...], no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável à repressão penal do pensamento...” (petição nº 3.486/2005). Nesse sentido, a honra da autoridade pública não pode ser protegida pelo direito penal. Esse é um ônus imposto àqueles que se propõem a exercer uma função pública em nome de outras pessoas.

Causa perplexidade que duas associações de magistrados, que saíram em defesa do ministro Kassio Nunes, também não demonstrem compreender que numa república, como já dizia James Madison, em 1789, “é o povo que tem o poder de censura sobre o governo, e não o governo sobre o povo”. Isso porque, em uma república, todos aqueles que exercem o poder o fazem em nome dos demais cidadãos, devendo, portanto, estar submetidos ao mais rigoroso e constante escrutínio por parte desses mesmos cidadãos. E isso, para surpresa de alguns, inclui os magistrados.

Como decidiu a Suprema Corte norte-americana no famoso caso New York Times v. Sullivan, de 1969, “a preocupação com a dignidade e a reputação dos tribunais não justifica a punição criminal por críticas a um juiz ou sua decisão [...]”. Por mais veementes, ácidas, ou mesmo incorretas que sejam as críticas endereçadas a um magistrado ou autoridade pública, seus autores não podem ser criminalmente reprimidos, nem mesmo sofrer sanções civis que, na prática, instituam um regime de autocensura.

A liberdade de expressão não é uma garantia voltada à defesa do interesse individual de jornalistas, acadêmicos ou polemistas; mas um elemento constitutivo do próprio regime democrático. Daí merecer uma proteção especial. Sem que haja uma robusta esfera de liberdade de expressão, os cidadãos não poderão exercer seu direito à informação, o que é essencial para que possam formar juízos autônomos e tomar suas decisões de forma livre e bem informada.

Esse caso, portanto, não se resume à intimidação de um proeminente acadêmico, mas a uma ameaça mais ampla à livre circulação de ideais, indispensável a própria sobrevivência do Estado democrático de Direito.

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