Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Além da margem de erro

Campanha acirrada amplia teorias conspiratórias e dúvidas estatísticas

O frenesi em relação às pesquisas eleitorais aumentou em 2018. Acusações nada qualificadas de manipulação dos resultados e a possibilidade de uso de levantamentos eleitorais para especulação no mercado financeiro acenderam o alerta em relação ao tema.

Na semana passada, vieram a público trocas de mensagens nas quais integrantes do mercado financeiro —alguns apoiadores do candidato Jair Bolsonaro (PSL)— afirmavam que investimentos não devem ser feitos baseados em pesquisas porque elas seriam enviesadas.

De acordo com o material, as pesquisas superdimensionam a população nordestina que ganha até dois salários mínimos, utilizam porcentagens menores do que as reais dos que se dizem católicos e evangélicos e trazem parcela maior de pessoas que se identificam com ideais de esquerda. Esses erros de amostragem favoreceriam candidatos como Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT).

Ilustração
Ilustração de Carvall para a coluna da ombudsman deste domingo (23) - Carvall/Folhapress

Os estatísticos do Datafolha rebateram ponto a ponto as críticas, explicando que são aplicados nos levantamentos conceitos e técnicas baseados na teoria da amostragem: “As amostras são representativas da população estudada e selecionadas por meio de critérios estatísticos, tendo como base fontes oficiais, como IBGE e TSE”, afirmam.

As pesquisas são um dos fatores que influenciam a decisão de voto de cada um dos eleitores. Eles conversam com familiares e amigos, avaliam como estão vivendo e projetam que futuro enxergam à frente. Assistem aos debates, ao horário eleitoral e às inserções comerciais. Têm acesso cada vez mais amplo às notícias das campanhas e reagem às declarações dos postulantes.

Uma novidade da atual disputa é que mais pesquisas estão sendo feitas, muitas delas encomendadas por grandes instituições financeiras, que passaram a conhecer os resultados, antes da divulgação pública. Essa ação embute o risco de que certos grupos possam influenciar os mercados, dispondo antecipadamente de dados de pesquisas patrocinadas por eles próprios.

Deixando de lado questões que devem ser investigadas e respondidas por órgãos de controle, é fato que se ampliaram as diferenças de metodologia entre as diversas pesquisas em circulação.

Existem basicamente três possibilidades de abordar o entrevistado: no ponto de fluxo, em domicílio e por telefone. As pesquisas de instituições financeiras são feitas, em geral, por telefone e apresentam discrepâncias relevantes em relação às outras duas.

O Datafolha opta pela abordagem nos pontos de fluxo. O diretor do instituto, Mauro Paulino, explica que as pesquisas face a face, nas ruas ou domiciliares, são mais adequadas e, comumente, mostram resultados similares, considerando as margens de erros.

Na sua avaliação, pesquisas telefônicas têm limitações. “Podem privilegiar candidatos com perfil mais elitizado. Os mais pobres, mesmo de posse de celulares, frequentemente não podem parar para responder pesquisas telefônicas durante o trabalho”, exemplificou.

Depois de tantas eleições, e certa overdose de pesquisas eleitorais, o leitor passou a entender melhor e a cobrar precisão na divulgação dos dados.

Na semana passada, a Folha publicou duas correções na seção Erramos, de imprecisões originadas por imperícia técnica. Um dos erros estava na manchete de 15 de setembro: “Bolsonaro vai a 26%; Haddad empata com Ciro e Alckmin”.  Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) tinham os mesmos 13% e Geraldo Alckmin (PSDB) estava com 9%. Como a igualdade estava no limite da margem de erro, era impreciso afirmar que Alckmin estava empatado com os dois.

Em relação aos cenários de segundo turno, a Folha escreveu que Marina Silva (Rede) e Alckmin estavam empatados com Jair Bolsonaro (PSL), mas eles estavam à frente.

Vinícius Mota, secretário de Redação da Folha, lembrou que se convencionou descartar o empate, em textos noticiosos, quando há uma diferença de duas vezes a margem de erro entre um candidato e outro. Nesse caso, probabilidade de empate, embora ainda existente, é considerada mínima.

“Fazer correções, quanto mais em enunciados e reportagens relevantes como invariavelmente são os sobre o Datafolha na reta final da eleição, nunca é agradável”, afirmou ele, ressaltando que a imprecisão foi logo notada e corrigida de modo transparente.

Diante de campanha tão acirrada, são erros que, mesmo corrigidos rapidamente, acabam por arranhar a imagem do jornal e a credibilidade do próprio instituto. Quase imediatamente surgem leitores com teorias conspiratórias e acusações de parcialidade.

Leituras distorcidas, assim como falsas pesquisas, são muitas vezes maldosamente disseminadas. Estão no coração das fake news, porque são ferramentas do jogo sujo das campanhas e dos mercados.

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