A sucessão presidencial brasileira, que já se desenhava imprevisível, tornou-se também trágica e violenta.
O primeiro colocado nas pesquisas foi preso e depois inabilitado como candidato; o segundo colocado, alçado a primeiro em razão da inabilitação do anterior, levou uma facada quando fazia campanha na rua. A um mês do primeiro turno, quase 30% se dizem sem candidato.
O resumo simples dos fatos sugere a mais ruidosa e conflituosa eleição presidencial desde a redemocratização.
Depois do ataque a faca na quinta (6), dois militares próximos de Jair Bolsonaro (PSL) sinalizaram reações opostas.
De um lado, o general da reserva Augusto Heleno responsabilizou “parte da imprensa” pelo atentado. Em mensagem de áudio afirmou que “o bárbaro atentado é o desfecho de uma campanha diária, obstinada, que parte da imprensa desencadeou contra ele”, numa espécie de “vale-tudo para desconstruí-lo”.
Em outra direção, o candidato a vice, general Hamilton Mourão, disse que, apesar de não ter condições de controlar 100% da militância, estavam sendo feitos vídeos orientando “o pessoal a raciocinar e abaixar o tom”. O foco agora é propagar as ideias de Bolsonaro e reduzir as tensões, uma vez que, segundo ele, confrontos não ajudariam ninguém.
Logo após o ataque, o general afirmara que o PT seria o culpado pelo atentado e disse frase assustadora: “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”.
Não há base para dizer que a imprensa em geral tenha responsabilidade —mesmo que parcial— pelo ambiente conflagrado que culminou no atentado. A desconstrução crítica de candidaturas e propostas é o melhor serviço a prestar.
Eventuais equívocos cometidos foram secundários. Uma leitora, por exemplo, considerou “sensacionalista e incendiário” o seguinte título no site da Folha: “Anjinho fascista não merece solidariedade", diz candidato sobre Bolsonaro”.
Tratava-se do obscuro Nivaldo Orlandi (PCO), candidato ao Senado. No mesmo evento, o candidato favorito, Eduardo Suplicy (PT), dissera que o atentado era um ato grave que merecia “solidariedade.” Cabia a Folha reservar à declaração de Orlandi espaço tão irrelevante quanto tem na corrida eleitoral o autor da frase. O jornal exagerou no tom.
No ambiente atual, a responsabilidade da imprensa é imensa e muitas vezes está nos detalhes. A cobertura sensacionalista, em busca de cliques nervosos, só atrapalhará a observância de seu papel essencial.
Com método, sem temer intimidações nem se deixar influenciar por reações destemperadas, deve dissecar propostas, revelar faces obscuras, contextualizar e investigar os fatos.
New York Times e os vícios perigosos do articulista anônimo
Na quarta (5), o jornal americano The New York Times tomou a rara decisão de publicar um artigo anônimo. O texto teve mais de 10 milhões de views em 24 horas. É um caso repleto de questões éticas e de até possíveis desdobramentos judiciais.
A tarefa de responder aos leitores sobre a decisão ficou a cargo do coordenador de artigos, James Dao. O jornal criou uma página em seu Centro de Leitores, explicando que a decisão havia sido tomada a pedido do autor, “um alto funcionário da administração Trump cuja identidade é conhecida por nós e cujo trabalho seria comprometido por sua divulgação”, explicou.
Imediatamente iniciou-se uma corrida para adivinhar ou identificar o autor e um debate sobre se foi certa ou não a atitude do jornal.
O que levou o NYT a permitir o anonimato? O editor de opinião James Bennet disse que a vital importância da peça era suficiente para que o jornal abrisse uma exceção e mantivesse protegida a autoria. Foi uma escolha entre publicar anonimamente ou não publicar nada.
Diferentemente do que acontece na Folha, por exemplo, a seção de opinião do NYT opera independentemente da Redação. A decisão foi altamente incomum, mas não sem precedentes. O jornal já publicara artigos de articulistas anônimos que poderiam ser repreendidos ou corriam riscos pela defesa de suas ideias.
Que decisão eu tomaria? É difícil dar uma opinião em tese. Os detalhes —quem é o autor, qual a relação de confiança entre jornalista e fonte, a relevância do que escreveu, o caráter imperioso do anonimato, por exemplo— são essenciais para embasar uma decisão difícil como essa.
Mesmo tendo sido excepcional, a publicação gera certo incômodo por deixar aberta uma porta perigosa. O anonimato é uma forma confortável de fazer política da qual a imprensa deve se desvincular. O A.A. (articulista anônimo) não pode se tornar um vício.
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