Paula Cesarino Costa

Jornalista, foi secretária de Redação e diretora da Sucursal do Rio. Foi ombudsman da Folha de abril de 2016 até maio de 2019.

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Paula Cesarino Costa

Novo diretor de Redação explica mudança no comando da Folha

Em entrevista, Sérgio Dávila reafirma linha editorial independente do jornal

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Como acontece periodicamente, desembarquei em São Paulo na segunda-feira, 18 de março, para participar do almoço de editores da Folha, para o qual todo ombudsman é convidado. Seria o segundo desses encontros sob a batuta de Maria Cristina Frias, que assumira a Direção de Redação após a morte do irmão Otavio Frias Filho, em agosto de 2018.

Na mesa do almoço, ao lado de colegas, fomos informados pela então diretora de que ela estava sendo destituída do cargo pelos outros acionistas do Grupo Folha, a saber, Luiz Frias, seu irmão, e Fernanda Diamant, viúva de Otavio. Maria Cristina atribuiu sua saída litigiosa a divergências em relação a cortes de gastos e capitalização do jornal.

Em comunicado sucinto, Luiz, que é presidente do Grupo Folha, anunciou que o editor-executivo Sérgio Dávila, há nove anos na função, assumiria o posto de diretor de Redação.

A surpresa foi geral. Havia uma semana que publicara neste espaço entrevista com Maria Cristina, na qual ela desfilara projetos de longo prazo na direção do jornal. 

Carvall

Dávila convocou duas reuniões com os editores durante a semana para falar da situação do jornal e da Redação. A primeira, no mesmo dia 18, com a presença de Luiz Frias, e a segunda, na quinta-feira, 21.

Segundo relatos que ouvi, foi dito que a empresa havia determinado cortes desde o ano passado e que os acionistas decidiram pela mudança porque a então diretora vinha se recusando a fazer os ajustes necessários. Foi informado também que a empresa não tem a intenção de vender o jornal.

Não é papel da ombudsman discutir questões empresariais. O que interessa é tentar entender de que forma a disputa entre acionistas pode ter repercussão no jornal. 

É esse o ponto principal dos questionamentos enviados durante toda a semana por leitores. “Foi bastante esquisita essa súbita mudança na direção. Ficam dúvidas sobre mudanças na conduta da Folha ante questões políticas”, escreveu um deles. “A Folha está a caminho de abandonar sua postura crítica?”, perguntou outro. “Não deixem a ganância matar o compromisso com a verdade, o espírito crítico e plural do jornal”, pediu um terceiro.

Concordo com os leitores que apontaram falta de transparência do jornal em relação às mudanças, noticiadas em exígua nota na coluna Painel. “O jornal não consegue ser transparente com o leitor ao falar de si mesmo”, reclamou um.

Na procura de respostas a esses questionamentos, decidi fazer uma entrevista com o novo diretor de Redação da Folha, Sérgio Dávila.

Muitos leitores reclamaram da falta de transparência na troca de comando no jornal. Pode esclarecer as razões e as circunstâncias dessa mudança? A eleição para diretor de Redação é feita necessariamente pelos acionistas da empresa, e o assunto não poderia ser tratado publicamente antes da reunião para a tomada da decisão. Essa reunião foi convocada, seguindo o Acordo de Acionistas, no dia 21 de fevereiro para ocorrer em 18 de março, portanto com 25 dias de antecedência. Tão logo a decisão foi tomada, por maioria, houve o anúncio.

Segundo os acionistas, a decisão foi tomada “no melhor interesse da companhia”. A comunicação seguiu o padrão das últimas quatro mudanças na Direção de Redação, adotado desde os anos 80: uma nota no Painel político do jornal e uma mudança no expediente.

Do ponto de vista dos leitores, o mais importante é a continuidade do Projeto Folha, criado por Otavio Frias Filho (1957-2018). Isso nunca esteve em jogo.

A mudança apenas reafirmou o comando da Redação em mãos do trio (eu e os secretários de Redação Vinicius Mota e Roberto Dias) que foi formado pelo Otavio e vinha trabalhando diariamente com ele. Estou na Folha há 25 anos, tendo convivido diariamente com ele por 14 anos. Estou no comando da Redação há nove anos, todos sob a orientação do Otavio, com exceção da transição dos últimos seis meses, quando respondi à Maria Cristina. Ele foi meu mentor intelectual e meu mestre profissional.

Umas das maiores preocupações dos leitores é saber se algo mudará editorialmente. A linha do jornal pode sofrer alterações por pressões de governo ou de ordem econômica? Há risco de contaminação do comercial com o editorial? Não, a linha editorial está blindada contra pressões de governo ou de ordem econômica. Há inúmeros exemplos de veículos de mídia que colocaram em risco não apenas sua independência editorial mas a própria sobrevivência ao perder sua saúde financeira. Isso sim representaria pressão sobre a linha editorial.

A Folha é um dos poucos veículos que não têm dívidas, e isso precisa continuar, justamente para a preservação da linha editorial criada pelo Otavio.

O risco de contaminação de comercial com o editorial é zero. Enquanto a empresa for independente financeiramente, o Projeto Folha segue firme. Sr. Frias [Octavio Frias de Oliveira, 1912-2007, criador da Folha moderna], Otavio e Luiz sempre acreditaram nisso. Não existe independência editorial com empresa deficitária, ameaçada por credores.

Maria Cristina Frias reclamou da falta de investimentos da empresa controladora no jornal. Essa situação não pode afetar a qualidade do produto? Mesmo em meio à maior crise por que passa a economia do país e a indústria de mídia, a Folha segue se destacando por ser um dos raros veículos brasileiros a investir em reportagens de fôlego, caso das séries premiadas sobre os muros e sobre mudanças climáticas, e por sua presença em grandes acontecimentos internacionais, com correspondentes ou com enviados. 

O jornal tem um time de repórteres especiais que não encontra paralelo na mídia local, em qualidade e quantidade. Tem cem colunistas das mais variadas tendências. Lançou uma linha de podcasts de sucesso, como O Presidente da Semana e o Café da Manhã, atualmente no ar. Faz parcerias de sucesso com “players” como o Google, de assinaturas gratuitas para professores da rede pública.

O jornal está vivo, pulsante, investindo em várias frentes. Investimentos tecnológicos foram e continuarão a ser feitos, inclusive porque trabalhos menos intelectuais estão cada vez mais sendo feitos com a ajuda de recursos tecnológicos (pesquisas em bases de dados, por exemplo). Por isso mesmo, a companhia precisa se manter financeiramente saudável.

Seria possível dimensionar os cortes feitos nesta semana? O jornal tem por praxe não divulgar números dos ajustes que faz em seu pessoal. Mas sabe também que não existe Projeto Folha com empresa deficitária.

Otavio nunca acreditou num projeto de jornal que não fosse autossustentável financeiramente ou que fosse financiado por outros negócios. Afirmar o contrário é ofender sua memória. Em nossas conversas diárias, muitas vezes ele citava duas frases que atribuía a seu pai: “Dinheiro não aceita desaforo” e “Capitalismo não aceita esmola”.

O último ato da antiga diretora foi anunciar mudanças no Conselho Editorial. Está valendo? Sim. A composição atual será mantida. Estamos estudando formas de o Conselho desempenhar melhor seu papel consultivo. Mas vamos fazer isso de maneira serena e planejada, sem açodamento.

As divergências públicas entre os acionistas abalaram a imagem do jornal. Como recuperá-la? Divergências entre acionistas existem em todas as empresas. O importante para o leitor é o jornal, sua linha editorial e sua saúde financeira. Isso nunca esteve em risco.

O que imagina de diferente no cotidiano de diretor de Redação em relação ao de editor-executivo? Além das atividades inerentes à nova função —supervisionar a opinião do jornal, expressa diariamente em seus editoriais, cuidar de suas relações institucionais, ser a interface com as outras áreas da empresa, zelar pela aplicação do Projeto Editorial, por meio de seu Manual da Redação —, pretendo olhar mais para a floresta, menos para a árvore, mais para os grandes lances e menos para os detalhes do dia a dia, que estarão nas mãos competentes de Dias e Mota.

Quero inovar, rever processos antigos que talvez não façam mais sentido, ocupar-me do futuro do jornal, seguindo máxima que aprendi do Otavio: “Fugir para a frente!”

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