Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

O que aconteceu com a economia do Japão?

País, em vez de ser uma história de advertência, é uma espécie de modelo

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The New York Times

Espero que pelo menos alguns dos meus leitores sejam jovens demais para se lembrarem disso, mas no início dos anos 1990 muitos americanos –especialmente os analistas, mas também líderes empresariais e uma boa parte do público em geral– estavam obcecados pela ascensão do Japão.

Dois dos livros mais vendidos em 1992 foram o romance "Sol Nascente", de Michael Crichton, sobre o que ele imaginava ser a crescente e sinistra influência das corporações japonesas, e "Head to Head: The Coming Economic Battle Among Japan, Europe and America" [Cabeça a cabeça: A próxima batalha econômica entre Japão, Europa e América], de Lester Thurow.

Agora é fácil esquecer, mas gosto de lembrar às pessoas como as livrarias dos aeroportos estavam cheias de brochuras com guerreiros samurais nas capas, pretendendo ensinar os segredos da administração japonesa.

O momento dessa obsessão pelo Japão foi impecável: ocorreu quase na hora exata em que a notável ascensão do Japão se transformou num declínio constante de seu poder econômico.

Turistas no distrito Asakusa, em Tóquio - Ju-min Park - 25.mar.2020/Reuters

Atualmente, o foco da ansiedade sobre a concorrência global mudou do Japão para a China, que é uma superpotência econômica de boa-fé: ajustada pelo poder de compra, sua economia já é maior que a dos Estados Unidos. Mas a China parece estar vacilando ultimamente, e alguns têm se perguntado se seu caminho futuro poderá ser semelhante ao do Japão.

Minha resposta é que provavelmente não –que o da China será pior. Mas para entender por que digo isso você precisa saber algo sobre o que aconteceu com o Japão, que não foi a catástrofe que muitas pessoas imaginam.

Aqui está a história que você deve ter ouvido: no final dos anos 1980, o Japão experimentou uma monstruosa bolha de ações e imóveis, que acabou estourando. Mesmo agora, a média das ações do Nikkei está significativamente abaixo do pico atingido em 1989. Quando a bolha estourou, deixou bancos com problemas e um excesso de dívida corporativa, o que levou a uma geração de estagnação econômica.

Há alguma verdade em certos aspectos dessa história, mas falta o fator mais importante no declínio relativo do Japão: a demografia. Graças à baixa fertilidade e à falta de vontade de aceitar imigrantes, a população em idade produtiva do Japão vem diminuindo rapidamente desde meados da década de 1990.

A única maneira como o Japão poderia ter evitado um declínio relativo no tamanho de sua economia seria alcançar um crescimento muito mais rápido da produção por trabalhador do que outras grandes economias, o que não aconteceu.

Diante dos dados demográficos, entretanto, o Japão não se saiu tão mal. Ajustado pela demografia, o Japão alcançou um crescimento significativo: registrou um aumento de 45% na renda real per capita em atividade. Os Estados Unidos se saíram ainda melhor, mas isso dificilmente se encaixa na narrativa da estagnação japonesa.

Espere, há mais. Gerir uma economia com uma população em idade ativa em declínio é difícil, porque o baixo crescimento populacional tende a levar a um fraco investimento. Essa observação está no cerne da hipótese da estagnação secular, que diz que nações com crescimento populacional fraco tendem a enfrentar dificuldade persistente para manter o pleno emprego.

No entanto, o Japão conseguiu, de fato, evitar o desemprego em massa, ou mesmo problemas em massa de qualquer tipo.

A porcentagem de homens empregados em idade ativa permaneceu alta no Japão; na verdade, consistentemente superior à dos Estados Unidos.

E os jovens? O Japão teve um aumento do desemprego juvenil (de 15 a 24 anos) na década de 1990, mas esse aumento foi revertido desde então.

Aqui estão, via Banco Mundial, as estimativas da Organização Internacional do Trabalho sobre o desemprego juvenil no Japão e, como o assunto está chamando a atenção, na China.

Portanto, o desempenho econômico do Japão desde os dias em que todos pensavam que ele dominaria o mundo tem sido realmente muito bom. É verdade que o emprego foi sustentado em parte por grandes gastos deficitários, e a dívida japonesa disparou, mas as pessoas vêm prevendo uma crise da dívida japonesa há décadas, e ela não se concretizou.

De certa forma, o Japão, em vez de ser uma história de advertência, é uma espécie de modelo –um exemplo de como administrar uma evolução demográfica difícil enquanto permanece próspero e socialmente estável.

Embora seja difícil de quantificar, muitas pessoas com quem conversei dizem que a sociedade japonesa é muito mais dinâmica e culturalmente criativa do que muitas pessoas de fora imaginam. O economista e blogueiro Noah Smith, que conhece bem o país, diz que Tóquio é a nova Paris. Dada a barreira do idioma, eu principalmente tenho que acreditar na palavra dele, embora, tendo sido levado por Tóquio pelos habitantes locais, eu possa confirmar que a cidade tem muita vitalidade.

É verdade que essa mesma barreira linguística significa que Tóquio provavelmente não pode desempenhar o mesmo papel na cultura global que Paris já desempenhou. Mas os japoneses estão claramente obtendo grande sucesso com um urbanismo sofisticado; se você pensa no Japão como uma sociedade cansada e estagnada, está enganado.

O que me leva à pergunta que levantei no início desta coluna: a China será o próximo Japão?

Existem algumas semelhanças óbvias entre a China atual e o Japão em 1990. A China tem uma economia descontroladamente desequilibrada, com muito pouca demanda de consumo, mantida à tona apenas por um setor imobiliário hipertrofiado, e sua população em idade ativa está diminuindo.

Ao contrário do Japão em 1990, a maior parte da economia chinesa ainda está bem atrás da fronteira tecnológica, portanto deveria ter melhores perspectivas de rápido crescimento da produtividade, mas há preocupações crescentes de que a China possa ter caído na "armadilha da renda média" que parece afligir muitas economias emergentes, que crescem rapidamente, mas apenas até certo ponto, e depois estagnam.

No entanto, se a China está caminhando para uma desaceleração econômica, a pergunta interessante é se ela pode replicar a coesão social do Japão –sua capacidade de administrar um crescimento mais lento sem problemas em massa ou instabilidade social. Definitivamente, não sou um especialista em China, mas há algum indício de que a China, especialmente sob um regime autoritário errático, seja capaz disso? Observe que a China já tem um desemprego juvenil muito maior do que o Japão jamais teve.

Portanto, não, a China provavelmente não será o próximo Japão, economicamente falando. É provável que seja pior.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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