Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Eliane Trindade
Descrição de chapéu Minha História

'Não é o casamento dos sonhos, eu algemado de um lado e ela, do outro', diz preso

Longe do crack, interno da Apac preso na prisão e encontra perdão na Justiça restaurativa

Bruno Adriano Barcelar, 36, está há cinco anos e cinco meses na Apac de Itaúna (MG), em uma pena de mais de 17 anos de prisão por roubo e tráfico. No final deste ano, espera ir para o regime aberto.

O homem que vai voltar às ruas passou por uma experiência forte de Justiça restaurativa, quando esteve frente a frente com vítimas e pediu perdão à mãe. 

Usuário de crack e em guerra com traficantes, em um momento de alucinação, ele colocou fogo na própria casa com a mãe dentro. A seguir, o depoimento dramático de um preso que se diz transformado. 

 

"No fim deste ano, devo ir para casa. Estou na Apac, depois de ter passado um ano e cinco meses em um presídio comum. Ir para casa significa estar no seio da família, onde nunca estive. 

Minha mãe era costureira e meu pai, traficante. Ela nunca aceitou coisa errada e não me permitia ter contato com ele, mas eu tinha o sonho de conhecer o meu pai. 

A primeira vez que o vi foi de longe, quando estava preso na cadeia pública. Um amigo dele me levou para um terreno próximo de onde eu acenei para ele. Era um super-herói mesmo no pátio da cadeia. 

Comecei a roubar aos 12 anos. Queria dinheiro fácil para comprar roupa e tênis da hora. Eu queria tá junto da galera, ter dinheiro para sair. 

Minha mãe não me deixava trabalhar. Eu tinha que estudar. Então, eu fazia pequenos furtos. Depois, já usando drogas, entrei para o crime pesado. 

Conheci a Apac visitando meu pai, que estava preso por tráfico e tentativa de assalto. A gente tinha uma relação de conhecidos. 

Uma vez, fui a uma boca comprar droga e quando cheguei lá me levaram para falar com o traficante. Era meu pai. Ele me disse: ‘Deus te abençoe”. Contou toda a trajetória dele, me aconselhou. Eu tinha 16 anos, entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Eu achava que era autossuficiente. 

Aos 18 anos, tive minha primeira condenação por assalto: três anos e seis meses de prisão. Era primário, respondi em liberdade. 

Em 2006, atolado até o pescoço, caí de novo. Vim para a Apac, mas não abri meu coração. Saí pior e fui preso novamente, desta vez condenado a 17 anos e 10 meses. 

Depois de mais de um ano no sistema comum, eu escrevi para o juiz pedindo para voltar para a Apac e disse que desta vez não seria tempo perdido. Nem minha família acreditava mais em mim. 

Como eu usava droga, era apaixonado por crack, eu ficava alucinado. Uma vez, estava em guerra na rua e por acidente botei fogo na casa da minha mãe, com ela dentro. A luz estava apagada. Quando vi, ela estava em chamas. Peguei o lençol, joguei em cima dela, desesperado. 

Mesmo naquela situação, o amor de mãe falou mais alto e ela disse: ‘Saia daqui!’. Ela não queria que a polícia me prendesse. 

Eu saí e avistei uma viatura. Disse para os policiais: ‘Minha mãe precisa de vocês’. Na maior culpa, fiquei rondando pela praça até me prenderem. 

Da prisão, mandei uma carta. Minha mãe respondeu: “Meu perdão não vai te fazer apagar os erros”. 

Eu carregava duas cruzes: o que fiz com ela e a própria condenação. Até que fui fazer um curso na Apac, que reuniu oito vítimas e oito agressores. O tema era assalto. Ouvi como é ser roubado. Eu não pensava na pessoa na hora de roubar.

Ali, houve uma mudança de mentalidade. É o que eles chamam de Justiça restaurativa. Pedi para entrar no CSS (Conselho de Sinceridade e Solidariedade), responsável pela disciplina, e passei a me envolver mais na metodologia Apac.

Tempos depois, durante uma visita, eu disse para a pastora da Igreja Batista que eu estava pronto para pedir perdão para minha mãe. Ela foi consultada e disse que também estava pronta para me perdoar.

Finalmente, eu pude abraçar e pedir perdão para ela [chora]. Aquele abraço carinhoso me deu motivação para continuar.

Nessa época, eu recebi uma carta de uma menina que estava presa por tráfico na Apac feminina de Itaúna. Um colega me via sempre sozinho e sugeriu que eu me correspondesse com ela. Em 2013, nos conhecemos pessoalmente em uma jornada realizada entre os presos.

Em maio de 2014, marcamos a escolta e nos casamos no cartório. Não foi o casamento dos sonhos, eu algemado de um lado e ela, do outro. 

Dizem que prisão não traz nada de bom, mas eu me casei e voltei a estudar e a trabalhar aqui.

Minha esposa ganhou a liberdade, agora é plantonista na Apac feminina. E recebi uma bênção que nem sou digno. Temos hoje uma filha, que demos o nome da minha mãe. Vi o parto da Marina. E jurei ali que o tanto que fiz minha mãe chorar, eu vou fazer minha filha sorrir.

Terminei o ensino médio. E sei o que eu quero quando sair da prisão: uma vida humilde e feliz com as pessoas que eu amo e que me amam. Se eu pudesse dar um conselho para os adolescentes, eu diria: escutem pai e mãe."

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.