Eliane Trindade

Editora do prêmio Empreendedor Social, editou a Revista da Folha. É autora de “As Meninas da Esquina”.

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Eliane Trindade

'A arte me salvou', diz Victor Chaves sobre denúncia da ex-mulher

Após três anos de silêncio, cantor diz que superou depressão e vergonha, recorre da condenação por vias de fato, vista como reparadora pela vítima

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“Nada é apenas o que se vê”, diz um verso de “Percepções”, uma das novas composições de Victor Chaves, 45.

Sucesso com o irmão na dupla Victor & Leo, o cantor traduz em músicas reflexões geradas pela crise pessoal e de imagem em que mergulhou desde 24 de fevereiro de 2017, quando foi acusado de agressão pela mulher, Poliana Bagatini.

Um típico exemplo das múltiplas interpretações do episódio são as imagens das câmeras de vigilância do prédio em Belo Horizonte onde ocorreu o fato.

O cantor Victor Chaves rompe o silêncio após três anos da acusação de ter agredido a ex-mulher, Poliana Bagatini - Eliane Trindade/Folhapress

As cenas foram exibidas na TV como prova da acusação de chutes a uma mulher grávida caída no chão, em um dos casos mais rumorosos de violência doméstica envolvendo um artista nacional.

Para Victor, a gravação é prova de defesa e atesta que não houve chutes, mas a tentativa de contê-la. As imagens vieram a público após a juíza suspender o sigilo do caso e condenar o cantor a 18 dias de prisão, por vias de fato, contravenção penal mais leve.

A sentença prevê pagamento de R$ 20 mil por danos morais. O cantor recorre da decisão.

Passados três anos, de recolhimento e também de polêmicas, como um post em que ironizou “a cobertura sensacionalista do caso”, Victor falou à Folha sobre a vergonha e a dor de carregar o carimbo de agressor, o fim da dupla e a carreira solo.

O cantor relata ainda que a pandemia trouxe um diálogo mais sereno com a mãe dos seus filhos, sem jornalistas de plantão no prédio em Campinas, onde Poliana vive com as crianças.

Ele classifica de respeitosa a relação de guarda-compartilhada da menina de 4 anos e do menino de 2.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida no apartameto em Belo Horizonte, um andar acima de onde ocorreu o incidente. É ali que o músico ensaiou e gravou o novo disco, sem data de lançamento.

O EPISÓDIO

“Utilizaram os fatos com leituras sensacionalistas. Se não fosse para a mídia e não chegasse aos rigores que chegaram, teria sido um dia de caos que resultaria em separação. Como se trata da mãe dos meus filhos, só posso falar que houve descontrole emocional grande.

Não estava na discussão entre Poliana, minha mãe e minha irmã no andar de baixo. Ouvi coisas quebrando. Estava com minha filha no colo, passei ela para a cozinheira e desci.

Vejo cacos de vidro e Poliana aos gritos: ‘Vou pegar nossa filha e ir pra rua’.

Tento impedir e proteger minha filha: 'Calma, você está grávida’. Ela cede, mas volta. É triste Poliana dizer no depoimento que eu a joguei no chão. Na TV, aceleram o vídeo. Não dá para ver que estou arqueando o corpo para suavizar a queda dela.

Tecnicamente, o que digo é comprovável. Mesmo que não fosse, se tivesse chutado uma mulher no chão não teria como não feri-la. O exame de corpo de delito deu negativo. Não havia marcas de agressão.

Ela se levanta e diz: ‘Vou na delegacia ferrar com você e sua mãe'."

O ESCÂNDALO

"Fui acusado de 15 chutes que não dei. Foi notícia duas noites seguidas no ‘Jornal Nacional’.

No domingo, o apresentador do 'The Voice Kids' [ele era um dos jurados] fez um discurso de que a emissora não compactua com agressões e condena violência.

Eles colocaram que eu pedi para sair do programa. Isso nunca aconteceu. Eu tinha problemas com a direção, por questões ideológicas. Destruir-me era um bom negócio. Não conseguiram.

Naquele domingo, conversei com o pai da Poliana, que tinha assistido o vídeo [imagens da câmera de segurança] e entendeu a situação. Passei quatro dias na casa dos pais dela.

Poliana preparou uma carta de retratação, junto com a advogada do pai. Ela disse que queria me ajudar e insistia para voltarmos.

Quando digo que não, ela sustenta a acusação. Diz que foi obrigada por mim a assinar a carta. Vi que não podia confiar na mãe dos meus filhos.

Fui para Uberlândia para decidir se ia parar a turnê da dupla. Lá, me deparei com um caos psicológico e emocional. Tombei. Seis dias depois do episódio, quase tirei minha própria vida. Prefiro não entrar em detalhes.”

DEPRESSÃO

“Fiquei sem chão. Na mídia, antes me retratavam como um ser perfeito, o que nunca fui. Depois, você vira um monstro, o que também não é. Percebi ali empiricamente que basta a minha consciência.

Vivi uma dor tão grande que só dormia e tocava. O que me salvou foi a arte. Durante uns sete meses, tomava banho de três em três dias.

Eu me enfiei nos shows, mesmo envergonhado. Era música atrás de música para eu não pensar. Meus músicos me viam acabado, chorando.

Disserem que houve vários shows cancelados. Não houve nenhum cancelamento.

Não sou religioso, mas andava com um papelzinho no bolso que Divaldo Franco [líder espírita] me mandou pelo meu irmão: ‘Caro Victor, você está passando pela noite da vida. Ela vem para todos e poucos sobrevivem. Entenda isso como um chamado de Jesus e cresça como jamais imaginou’.

Ficar calado três anos foi duro. Meu ímpeto era de me defender, mas esse silêncio me valeu muito. Comecei a me livrar do ego, a ir ao dentista no horário comercial, pegar fila em aeroporto. Uma sensação de estar vivo."

FILHOS

"Quando minha filha nasceu, eu conversei com Leo e meu empresário. Diminuímos a média de show de 18 para 10 por mês. Eu queria ficar ela. Dava banho, trocava falda.

Fiquei sem ver minha filha por 45 dias. A condição de ter acesso a ela era estar com uma pessoa que sustentava acusação grave contra mim. Não tinha condição de me aproximar.

Depois do episódio, consegui, judicialmente, ficar oito horas por semana com ela. Quando meu filho nasceu, eu fui ao hospital, mas só o revi depois de quatro meses. Com ele eram duas horas semanais.

Desde julho de 2019, temos guarda compartilhada. Moro em Campinas para estar disponível.

Com a Covid-19, em vez de pegá-los toda semana, nos vemos de 15 em 15 dias, quando passam cinco dias comigo. Se estão estressados pelo confinamento, recorro ao Facetime."

CARIMBO DE AGRESSOR

"Eu tive que dizer para mim mesmo que não sou isso [agressor de mulher]. Jamais fiz mal a quem quer que seja.

Tive que me abster da internet, dos tabloides. Era tóxico. Está lá: Victor Chaves agressor, criminoso, bandido, espancador de grávida. Antes era Victor Chaves cantor, produtor musical, ganhador de Grammys.

Teve gente que comentou atrocidades nas redes sociais e veio me dar apoio pessoal. A classe artística sumiu. Tinha contato com todo mundo, mas não me vitimo.

Houve gente, como Zélia Duncan, para quem escrevi mensagem. Era uma oportunidade de diálogo, de mostrar como se toma partido sem conhecer os fatos, mas ela não respondeu.”

SÁTIRA PROIBIDA

"Quando Ricardo Boechat morreu, um jornalista sério que eu admirava, fiz aquele vídeo [postado em 11 de fevereiro de 2019].

Tive a ideia no banho: fazer o papel de um jornalista sem camisa e de um engravatado, numa crítica a essa mídia medíocre, a tudo quanto é fake news e notícias inúteis.

O post saiu do controle. Eram agressões e ameaças por acharem que eu estava debochando da Justiça.”

FIM DA DUPLA

“Desde 2013, eu vinha tentando junto com o Leo achar um momento certo de parar. Havia uma máquina de contratantes, shows, imprensa. Era pressão familiar, empresarial e da nossa equipe de 150 pessoas. Tínhamos dois aviões, duas carretas, um hangar.

No final de 2017, propus mais um ano de turnê para o fim da dupla não ficar atrelado ao fato. Em 2018, gravamos o DVD ‘O Cantor do Sertão’, que produzi, fiz os arranjos e direção. Fechamos o ciclo da dupla com esse trabalho.

Foi um alívio. Percebi que fiquei 12 anos de fama sem respirar, sem viver, sem ir à padaria.

Voltou a minha relação com o Leo, de irmãos, que estava se perdendo. É maravilhosa hoje. Ele vai na minha casa, eu vou na dele. No tempo de dupla, a gente não se frequentava. Pelo desgaste.”

CARREIRA SOLO

“Precisei desse tempo de reclusão pra me dedicar a meus filhos, blindá-los e me reformular para um trabalho próprio.

Em maio de 2019, chamei uns músicos para fazer um som no meu apartamento. Comecei a compor canções que refletiam essa nova fase. Sempre fui folk.

Em dezembro, resolvi gravar um disco, ‘Luz do Sol’, na sala onde fazíamos os ensaios, como nos anos 1950. Ainda espero o melhor momento para lançar.”

LIÇÕES

“Faltou pouco para meu processo ser prescrito. Temia não ser julgado pelo que não fiz. Ia ficar um vazio. Será que é por ele ser famoso?

Para mim, a condenação era detalhe. Eu já tinha sido julgado e crucificado.

Ser feminista não é defender as mulheres, mas a igualdade de gênero. Muita gente se aproveita do movimento para fazer ataques gratuitos.

Estão dando atenção para um cara que não feriu ninguém e desprezam a violência que de fato existe diariamente no país.”

OUTRO LADO

Procurada pela Folha, Poliana se manifestou por meio do advogado Ralph Tórtima Sttettinger Filho.

A justificativa é preservar a relação de guarda compartilhada. "A despeito do que houve, ela quer manter um clima amistoso com Victor, pensando na saúde mental dos filhos", afirma Tórtima.

Na sentença proferida em 22 de novembro de 2019, a juiza Roberta Soares considerou que o acusado retirou a vítima, à força, do elevador. "Pode-se inferir que a agressão praticada pelo réu foi desproporcional -e desnecessária- em relação ao seu intuito, voltado, eventualmente, à proteção de sua filha."

A condenação era o desfecho aguardado por Poliana, diz advogado dela. "As imagens são claras. Houve um empurrão com o pé e nada justifica o gesto."

Tórtima diz que a cliente não poderia ter silenciado. “Ela é a favor de denunciar qualquer ato de violência doméstica, mesmo diante de pressões.” E conclui: “Poliana só teve a perder, seja do ponto de vista financeiro, seja pela família que se dividiu".

No balanço de perdas e danos, Victor Chaves tem hoje 646 mil seguidores no Instagram, enquanto a dupla Victor & Leo registra 1,2 milhão, mesma quantidade de fãs da página de Leo Chaves, em seu voo solo.

Sobre o impacto financeiro, Victor afirma que conseguiu se organizar para encarar a pausa com um mínimo de conforto. “Levo uma vida simples, sem grandes luxos e demandas.”​​

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